Política
  

Especialista da ONU insta Brasil a resolver superlotação das prisões e agir contra tortura

Juan E. Méndez encerrou sua missão oficial de 12 dias ao Brasil, onde realizou visitas não anunciadas a locais de detenção

por ONU Brasil   publicado às 14:43 de 14/08/2015, modificado às 14:44 de 14/08/2015

O especialista de direitos humanos da ONU, Juan E. Méndez, instou as autoridades federais e estaduais brasileiras a responder urgentemente à questão da superlotação das prisões no país e mostrar “um compromisso genuíno para implementar medidas contra a tortura”.

O relator da ONU sobre a tortura, Juan E. Méndez. Foto: Loey Felipe/ONU (arquivo)

O apelo de Méndez aconteceu no final de uma visita oficial de 12 dias ao Brasil, onde realizou visitas não anunciadas a locais de detenção, como delegacias, locais de prisão temporária, penitenciárias, centros de detenção juvenil, bem como instituições de saúde mental.

“Muitas das instalações visitadas estão seriamente superlotadas – em alguns casos, com quase três vezes mais que sua capacidade”, disse o relator especial da ONU sobre tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos e degradantes. “Isso leva a condições caóticas dentro das instalações, com grande impacto para as condições de vida dos detentos e seu acesso à assistência jurídica, cuidados de saúde, apoio psicossocial, oportunidades de trabalho e estudo, bem como ao sol, ar fresco e recreação.”

Através dessas visitas, o especialista independente observou como a grave superlotação gera tensão e uma atmosfera violenta, na qual maus-tratos físicos e psicológicos são normais.

“O uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bomba de ruído e bala de borracha pelos funcionários de prisões é frequente, como são os golpes e chutes”, disse. Ele também observou que os funcionários das prisões utilizam armamento pesado, incluindo fuzis, escopetas, espingardas e pistolas. Em uma ocasião, disse, até mesmo gás lacrimogêneo e lança-granadas.

Mediante entrevistas com presos em vários centros de detenção, Méndez recebeu testemunhos confiáveis de tortura e maus-tratos por parte da polícia acontecidos durante a detenção e interrogatório. Nesse sentido, ele observou com preocupação “a ausência de uma política forte para lidar com as ocorrências de tortura, a falta de responsabilização nestes casos e a probabilidade de que essa situação se perpetue, e até mesmo que esta prática aumente, tanto em número como em gravidade”.

O relator especial saúda as medidas já adotadas – ou previstas – para lutar contra a tortura e os maus-tratos em vários níveis do governo, como o estabelecimento do Mecanismo Nacional de Prevenção, após a ratificação do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, bem como o projeto-piloto que introduz audiências de custódia em cinco estados.

“No entanto”, declarou, “são necessários mais esforços para assegurar uma aplicação em nível nacional das garantias oferecidas por essas instituições e procedimentos”.

Entre outras medidas, o especialista recomendou às autoridades brasileiras competentes a expansão imediata da aplicação de audiências de custódia em todo o país e seu redesenho, para encorajar as vítimas a falar e permitir a documentação eficaz da tortura e de maus-tratos. As audiências de custódia têm o benefício de reduzir o número desproporcionalmente elevado de detentos em prejulgamento (atualmente 40%) e prevenir a tortura e os maus-tratos.

Méndez também observou que serviços médico-legais estão disponíveis para o sistema judiciário, inclusive para audiências de custódia, mas advertiu que, como são parte do departamento de segurança pública de cada estado, falta-lhes a independência. Além disso, o pessoal médico-legal geralmente não têm a formação e conhecimentos suficientes para aplicar normas forenses internacionais. “Apoio totalmente a proposta de emenda constitucional que concede a independência total a todos os serviços forenses federais e estaduais”, disse.

Além disso, o relator especial expressou preocupação com a proposta de emenda constitucional, atualmente pendente no Congresso, para reduzir a idade de responsabilidade criminal de crianças para 16 anos em vez de 18, bem como uma outra proposta para aumentar o período máximo de detenção em instalações socioeducativas dos atuais três para até 10 anos.

“Processar adolescentes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança”, disse o especialista. “Além disso, a aprovação destas propostas iria piorar a situação das prisões, atualmente já seriamente superlotadas em todo o Brasil.”

Durante sua visita oficial ao Brasil, Méndez viajou a Brasília e aos estados de São Paulo, Sergipe, Alagoas e Maranhão, onde realizou consultas com funcionários federais e estaduais, instituições governamentais, organizações da sociedade civil e associações de vítimas.

O relator especial apresentará um relatório final ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2016.

Tags:

onu, violência, Direitos Humanos, prisões, penitenciárias, presos, superlotação, maioridade penal, abusos