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Painéis "Guerra e Paz" de Portinari voltam à sede da ONU, após cinco anos no Brasil

Durante a reforma das instalações da Organização, o filho do pintor manteve a guarda e possibilitou que o público brasileiro admirasse sua obra mais importante

por ONU Brasil   publicado às 09:49 de 02/09/2015, modificado às 09:57 de 02/09/2015

Às vésperas da comemoração dos 70 anos das Nações Unidas, a sede da Organização, em Nova York, voltará a vestir as cores e formas do presente brasileiro que homenageou a sua fundação. Após cinco anos dedicados à restauração e exposições no Brasil e na França, os grandiosos painéis “Guerra e Paz” do pintor Candido Portinari serão reinaugurados no salão de acesso à Assembleia Geral da ONU, na próxima terça-feira, 8 de setembro.

Guerra e Paz, de Portinari, em exposição em Belo Horizonte, em 2013. Cada painel mede 2,2 metros de altura por 5 metros de largura e pesa 75 quilos. Foto: Divulgação

Chamado de “A Segunda Revelação”, o evento oficial voltará a exibir oficialmente as duas obras de 14 metros de altura e 10 de largura que ilustram a ruína e desolação da humanidade, por um lado, e a estampa de um mundo justo, saudável e harmonioso, por outro.

Inserida dentro da comemoração oficial do aniversário da ONU, a reinauguração dos murais acontece em um momento crucial para a humanidade. Será em setembro que líderes mundiais ratificarão os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que nortearão as nações nos próximos 15 anos na promoção de um mundo mais justo e sustentável.

O filho do artista, João Candido Portinari, espera que a volta das obras ao recinto sirva de inspiração. Ao final, na entrada da Assembleia Geral, onde a nova agenda será adotada, chefes de Estado e Governos encontrarão a Guerra de Portinari. Na saída, a Paz.

“Queremos passar a ideia de que a paz é um trabalho de todos e de todos os dias. É um projeto que deve ser construído diariamente até que todos se conscientizem que não é possível continuar depredando o planeta, provocando uma situação de insustentabilidade e de não permanência da vida, não somente humana, mas de todo o planeta”, destacou o único herdeiro do artista e diretor-geral do Projeto Portinari.

“Guerra e Paz é a mais importante obra de arte monumental doada à ONU”, afirmou o secretário-geral da Organização na época, Dag Hammarskjöld, no momento em que as recebeu, em 6 de setembro de 1957. Aos olhos de Portinari, Guerra e Paz foram o ápice de sua vida. Por elas, voltou a pintar, contrariando recomendações médicas.  O artista morreu em 1962, com 58 anos, envenenado com o chumbo de suas próprias tintas. Para trás deixou um legado de mais de 5 mil peças, mas jamais pode apreciar o resultado final da sua principal obra no lar de todas as nações.
 

João Candido. Foto: Divulgação

“Por suas convicções políticas, meu pai não pode entrar nos Estados Unidos. Era a época do macartismo e não concederam o visto para ele viajar. Os murais foram inaugurados sem a presença do seu criador”, explicou João Candido.

Nada mais justo então que o segundo descerro das cortinas de Guerra e Paz seja um “momento inesquecível e emocionante”, marcado pela presença constante da vida e da luta de Portinari, o homem que “fez do pincel sua arma para denunciar as injustiças e os valores sociais e humanos”.  João Candido conta para isso com a ajuda da diretora artística Bia Lessa, que converterá os contornos do salão da Assembleia Geral da ONU em um grande museu virtual.

“Estamos reunindo de todas as épocas da história da humanidade, de todas as culturas e disciplinas, todos os grandes pensadores que falaram sobre a violência e montando um espetáculo cuja finalidade não é exaltar Portinari, nem o Brasil, nem os painéis. A ideia é usar 'Guerra e Paz' como um pretexto para conscientizar as pessoas que estarão ali sobre a urgência de uma tomada de posição para o fim da violência”, adianta João Candido.

Projeto Guerra e Paz


Durante mais de meio século as obras nunca deixaram a sede da ONU. No Brasil, atendendo ao clamor popular, a cerimônia de apresentação em 1956 foi breve e restrita a um seleto grupo reunido no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Transcorreram 54 anos, para que, finalmente em 2010, o grande público brasileiro pudesse admirar em solo nacional a grandiosidade do pináculo de Portinari.

“A ideia surgiu em 2007, no cinquentenário da inauguração dos painéis, quando tomei conhecimento de que a ONU ia passar por uma reforma profunda, que duraria vários anos, em que as obras de arte teriam que ser retiradas. A partir desse momento, começamos a articulação com o governo federal e com a ONU e nasceu o projeto Guerra e Paz”, contou.

A inspiração surgiu com o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral; a primeira vez que as obras magistrais do artista plástico eram citadas por um líder do país no encontro, considerado por muitos, como o mais importante do planeta. “A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperanças, guerra em paz é a essência da missão das Nações Unidas”, destacou Lula.

Exposições no Brasil e França

Durante os quatro anos de produção das obras, Portinari realizou 200 estudos, que deram vida a mais de 70 figuras incluídas em cada mural. Elas remetem a personagens da memória do artista, brasileiros que ele conheceu durante seus 58 anos, valendo-se de tons “azuis frios, de aço” para universalizá-los na guerra e “dourados, radiantes” para imortalizá-los na paz.

Candido Portinari. Foto: Divulgação

“Você reconhece nos personagens da paz todos aqueles personagens brasileiros de toda a vida dele, como as crianças brincando em Brodowski, o povoado natal dele. Ao mesmo tempo, na guerra, a Pietà não é nada mais que a universalização das retirantes de outra série dele, que representa a primeira denúncia da tragédia da seca e da pobreza no Brasil. Aquela retirante, com o filho morto, no painel ‘Guerra’ se transforma em uma mãe universal.”

O ponto inicial da mostra no Brasil não poderia ser outro que o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde tudo começou. “Inertes, imóveis, absortos, magnetizados.” Assim imortalizou o poeta Carlos Drummond de Andrade a reação dos convidados, que contemplavam “a dupla labareda que se alastrava por todo o campo visual e se ia compondo em formas, imagens, ritmos, diversificando-se aqui em clarões e símbolos sinistros, ali numa ondulada e graciosa figuração de gestos dançarinos, que irradiavam felicidade”.

No Brasil, João Candido pensou em todos os detalhes para compensar os anos de exílio das obras, aproximando-as ao máximo do público brasileiro, antes de devolvê-las ao seu lar nas Nações Unidas. Durante os quatro meses de restauro, as portas do ateliê no Palácio Gustavo Capanema estiveram sempre abertas a estudantes e crianças, que puderam acompanhar e aprender com os 18 profissionais sobre o processo de reabilitação dos painéis.

Do Rio de Janeiro, seguiram para São Paulo e Belo Horizonte, encerrando sua turnê no Salão de Honra do Grand Palais, em Paris, cidade que acolheu Portinari em sua juventude e permitiu sua transformação em um “gênio criativo”, conforme o reconhecimento prestado ao pintor brasileiro no discurso de abertura da exibição. Em retribuição ao carinho francês, além de “Guerra e Paz”, a mostra parisiense exibiu uma projeção de 5 mil obras do pintor, que, em conjunto, levava 9 horas ininterruptas para ser vista.

“Temos o sentimento de dever cumprido. Todos do projeto Portinari, porque essa trajetória de cinco anos, como vocês podem imaginar, não foi fácil. Então ter entregue os painéis de volta à ONU, sem nenhum arranhão, restaurados e tê-los exibido ao público no Brasil e no exterior, de quase 400 mil pessoas, nos dá um sentimento, realmente, de dever cumprido”, concluiu João Candido.

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