Religião / Espiritualidade
  

Dia Nacional do Ecumenismo: conceito, prática e vivências

Em entrevista para a Cidade Nova, o bispo anglicano Francisco Cezar Fernandes Alves nos ajuda a compreender o impacto positivo do ecumenismo no Brasil.

por Teresa Breda   publicado às 00:00 de 18/10/2023, modificado às 15:49 de 18/10/2023

O Dia Nacional do Ecumenismo é uma data bastante recente, aprovada pela Comissão de Educação (CE) e incorporada ao calendário brasilerio em 2019, com objetivo singular de estimular a tolerância religiosa no Brasil. Num país onde duros ataques às pessoas que exercem uma crença distinta do agressor são diários, uma data como essa é sim um passo importante para promovermos uma consciência coletiva respeitosa sobre o chamado diálogo ecumênico.

Apesar da data ser recente, a tradição do ecumenismo é bem antiga. Para entendermos sobre o conceito, a prática e conhecermos exemplos positivos de vivências sobre o Ecumenismo, conversamos com o bispo anglicano Francisco Cezar Fernandes Alves, de São Paulo (SP), que trabalha com o Ecumenismo há mais de duas décadas. 

Confira esse bate papo e compartilhe o texto com seu grupo de amigos e familiares para divulgarmos essa data tão relevante para a construção de uma sociedade mais fraterna. 

Bispo anglicano de São Paulo, Francisco Cezar Fernandes Alves.

Afinal, o que é o ecumenismo?

Entendo que o ecumenismo é um movimento de pessoas cristãs com a missão de promover a reconciliação entre as igrejas. O que não significa uniformidade ou unificação entre as igrejas, mas sim que elas possam viver pacificamente e coexistir apreciando os dons de cada uma delas. O que motiva este movimento é o pedido de Jesus Cristo, o “Que todos sejam um”.

Quais as diferenças entre ecumenismo, diálogo inter-religioso e sincretismo religioso?

Há diferenças consideráveis entre os três conceitos. 

O Diálogo Ecumênico acontece singularmente entre as igrejas cristãs, ou seja, que professam a fé em Jesus Cristo, compartilham de uma série de valores próprios da tradição cristã, entre eles a celebração do batismo. No nosso país, algumas dessas igrejas integram o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC).

Já o Diálogo Inter-religioso assume uma função ímpar e trabalha com uma dimensão mais ampla no sentido de ser um diálogo com as demais religiões: a tradição budista, pessoas de origem judaica, mulçumanos e, aqui no Brasil, principalmente, as religiões de matrizes africanas. 

Sobre o sincretismo religioso, cabe dizer que os dois diálogos - ecumênico e inter-religioso - não deveriam gerar o sincretismo. É muito importante a identidade de cada igreja porque conhecendo melhor cada identidade, podemos contribuir para a convivência pacífica. 

No entanto, o sincretismo acontece de forma involuntária, a partir das trocas e compartilhamento de dons entre as igrejas, como exemplo as próprias vestes que usamos, herdadas de outras tradições religiosas. 

Destaco que é importante conhecer a própria identidade para entender o que agrega do outro na sua crença. 

Atualmente, temos idem o fenômeno da dupla pertença religiosa: pessoas que afirmam serem plenamente adeptas de duas religiões. Tive a oportunidade de conhecer uma pessoa de dupla pertença religiosa em 2008, quando estava nos Estados Unidos, que era de origem judaica, porém exercia a fé tanto judaica quanto cristã. 

Qual a relação da Igreja Anglicana com o Diálogo Ecumênico?

A igreja Anglicana tem, desde seu início, uma dimensão ecumênica muito forte e desde o século passado estamos plenamente comprometidos com este movimento. Primeiramente, este diálogo aconteceu com as igrejas de tradição evangélica e protestante, que tinham iniciativas como a criação da Sociedade Bíblica do Brasil, nas parcerias com músicas e na liturgia, e na cooperação nas missões e formação de novos pastores.

A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica também se abre e leva à criação do CONIC e de outras iniciativas. Com o Movimento dos Focolares, que é ecumênico e inter-religioso, a comunidade anglicana começa a atuação conjunta na década de 1970.

Pessoalmente, meus laços com o ecumenismo chegaram bem cedo. Primeiramente, de maneira informal, na infância. Eu morava em um bairro que tinha muitas igrejas diferentes e via de perto cada fiel seguindo as suas tradições e rituais, mas sempre convivendo juntos. A diferença religiosa não nos afastava. 

Anos mais tarde, quando estudava para me tornar clérigo, participei de diferentes iniciativas que estimulam este diálogo, entre elas momentos com o Movimento dos Focolares. Quando a fundadora do Movimento, a italiana e serva de Deus, Chiara Lubich, veio ao Brasil, tive a possibilidade de ter uma celebração ecumênica com ela na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Eu era bem jovem, mas aquele foi um momento especial na minha vida. Uma experiência que me marcou profundamente. 

O Brasil precisa do Diálogo Ecumênico?

Certamente. Eu continuo esperando que cada vez mais possamos testemunhar o amor de Cristo e realizar ações nessa direção com as demais igrejas, seja nas atividades das pastorais, na vida devocional, na cooperação da área da formação, de estudos bíblicos, mas não somente. Penso que também devemos externalizar esse diálogo para fora das igrejas, para que este seja um assunto levado à toda a sociedade. Este seria um sinal para a humanidade, de que é possível viver pacificamente e construir um mundo de tolerância.

Aqui no Brasil, temos como exemplo a união durante a Campanha da Fraternidade, o próprio Dia do Ecumenismo - que precisa ser mais divulgado -, e a comissão bilateral entre a igreja anglicana e católica que já tem 40 anos de existência. Participo desta comissão há 20 anos e pude criar verdadeiros laços de amizade e partilha. 

E estamos caminhando para que esse diálogo continue a acontecer? 

Digo que sim. Durante a pandemia, pude participar de um momento ecumênico marcante na Catedral da Sé. Antes da missa da Solenidade da Anunciação, o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, rezou o Pai Nosso ao meu lado. Naquele momento, recordamos não só os falecidos com a doença da Covid-19, mas, também pedimos a Deus por seus familiares e pelas pessoas aflitas com a pandemia.

Na época, em razão das necessárias medidas restritivas para a participação presencial dos fiéis nas missas, esse momento de oração e a celebração foi transmitido pelas redes sociais da Arquidiocese de São Paulo e da Catedral da Sé, por onde também houve a exibição de um vídeo em que os seguintes líderes religiosos rezam o Pai Nosso: bispo Nareg Berberian, Primaz da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; pastor sinodal Marcos Ebeling, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana; dom Damaskinos Mansour, arcebispo metropolitano da Igreja Ortodoxa Antioquina; pastor Eliel Batista, da Igreja Betesda de São Paulo; e o pastor Fernando Bortolleto Filho, da Igreja Presbiteriana Independente. Foi um momento importante. 

No contexto internacional, mais recentemente, acompanhei virtualmente a vigília ecumênica em preparação para a Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos católicos, com a presença de diferentes líderes de  igrejas cristãs, entre eles o Papa Francisco e o arcebispo de Cantuária. Ali, vi um sinal muito bonito de que é possível vivermos juntos e em paz. 

Nos últimos dias, recebi o vídeo da celebração dos 25 anos da CONIC e assisti-lo 15 anos, depois me tocou. Pude ver o quanto caminhamos e o quanto precisamos caminhar juntos, juntando nossa fé e nosso desejo por um mundo mais fraterno. 

Se você, assim como a Cidade Nova, se identifica com o Diálogo Ecumênico, irá gostar de conhecer a Revista Ekklesia Brasil, uma revista quadrimestral pensada para quem deseja conteúdos de ótima qualidade, sobre temas atuais da Igreja e da sociedade. 





 

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