Sociedade / Arte
  

Amar o mundo como os ipês amam os carros

Um artigo que exprime poesia, senso de justiça e paixão pela natureza.

por Carolina Lopes   publicado às 14:00 de 03/11/2023

Um dos prazeres – ou desprazeres, depende se você perdeu o ônibus ou se achou cinco reais na calçada – de morar na única capital do Nordeste que não é banhada pelo mar é que a mãe natureza compensa de outra forma. Teresina é a famosa cidade verde, mas que do dia 31 de agosto para o dia 1 de setembro se torna a cidade amarela. Em meio aos engarrafamentos das sete da manhã, as flores caindo no vidro dos carros suavizam o humor dos condutores apressados. Cabe uma simples flor amarela em meio ao caos. Uma flor da cor do sol. Sol este que cada morador carrega consigo debaixo do braço.

As temperaturas que beiram os trinta e nove graus nos convidam a deixar o suor escorrer debaixo da árvore mais rechonchuda. Uma cidade em que todos se conhecem, mesmo que seja só de vista. "Esse sol tá muito quente, né?!". E assim começa uma amizade de décadas. A gente se abraça mesmo no calor. Deixa um pouco da gente – e aqui eu não falo só das gotinhas de suor que, por acaso, escapam – em cada desconhecido que vira um bom motivo para declarar "sextou" em outra casa, quando não a sua própria.

"Ave Maria, acho que a gente não aguenta até dezembro, não", disse a senhorinha que ocupou mais uma vaga da sombra. "Se setembro já tá assim, imagine o restante do B-R-O-BRÓ[1]". Nessas horas, a gente conclui como o corpo realmente se contagia de calor. É incrível! Não, não o calor. Inclusive, tem horas que penso em trocar esse sol pela neve que os sulistas alegam ter – bonito por natureza eu até concordo, mas será se o país é tão tropical assim? Mas o que é de fato incrível é como o sol, tão distante, tão utópico; como ele, tão fora da nossa órbita, consegue agitar todas as moléculas e átomos e partículas do nosso corpo. Do nosso corpo tão distante, tão utópico, tão fora de órbita. 

Será se... Não, esquece. Pensar isso é utópico do mesmo jeito que o sol. Mas. Imagina se a gente fosse que nem o sol. Pensa comigo. Se a gente agitasse as moléculas das pessoas, e, depois, cada molécula agita sua própria célula. Cada célula, o seu tecido. Cada tecido, seu órgão – e assim segue a ordem biológica que, definitivamente, eu não lembro. Mas uma hora a gente consegue agitar uma pessoa inteira. E essa pessoa tão agitada não vai conseguir se conter em si. Não será mais tão distante, nem tão utópico, nem tão fora de órbita. 

Mas, a gente precisa de um começo. Vamos pensar em uma causa. Liberdade de expressão? Combate ao preconceito? Preservação do meio ambiente? São tantas... Como pensar em uma só?! Tudo é tão real e tão importante e tão urgente. Escolher só uma parece injusto. O mundo precisa desse copo de água bem gelado da mesma forma que aqui em Teresina nós precisamos da sombra de uma árvore. Agitar as moléculas do coração e esfriar os instintos... Já sei! Eu descobri uma boa causa. Vamos lutar pela força motriz que move a liberdade de expressão, o combate ao preconceito e a preservação do meio ambiente. Onde cabem todos, todas e todes[2], como o abraço de uma sombra refrescante. Vamos lutar pela mais eficiente e renovável energia: o Amor.

Cuidar das dores e desesperos de cada ser humano, independente do machucado ter casquinha ou não. Fazer do pulsar dos nossos corações a dancinha mais viral das nossas atitudes. Agitar o mundo inteiro. E eu sei, o mundo inteiro é muita gente, todos, todas e todes é muita gente. Porém, o que nos resta senão amar a cada coração? Senão despertar a alegria assim que o sol nasce e fazer dela a luz que nos guia nas noites sem estrelas?

É isso. Essa é a minha causa. É nisso que eu acredito. Todos nós juntos, unidos que nem a torcida do Flamengo no estádio do Maracanã. Italianos, húngaros, filipinos e brasileiros cantando em harmonia, nos trend topics do Twitter; curtindo, comentando e compartilhando as pequenas atitudes que mudam o mundo — que nem as flores dos ipês caindo por cima dos carros. Essa é a minha causa. É a sua também? – Agora, só te peço uma coisa: traz uma água bem geladinha para me fazer sair dessa sombra tão fresquinha.

 

[1] Expressão piauiense que une as últimas sílabas dos meses mais quentes do ano: setembro, outubro, novembro e dezembro.

[2] Linguagem neutra que abrange a comunidade não binária, ou seja, quem transita entre os gêneros feminino e masculino ou quem não se identifica com ambos gêneros. As pessoas não binárias são um grupo da comunidade LGBTQIAPN+.

 

Este artigo é de responsabilidade da autora e não corresponde obrigatoriamente à visão da Editora Cidade Nova a qual, por sua vez, opta por abrir espaço à pluralidade de pensamento com o objetivo de promover o diálogo entre diferentes visões a respeito de temas de interesse público.

Tags:

poesia, natureza, pensamentos, Senso de Justiça