O ano muda, mas o descaso ambiental continua o mesmo

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O ano começou com os olhos voltados para questões ambientais, após a tragédia em Mariana. Mesmo assim, um fato passou quase despercebido, apesar dos grandes impactos que ele pode causar. No dia 07 de janeiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu os efeitos do Decreto Legislativo 293, que anulava a Portaria Interministerial 192/2015. Assim, a decisão do ministro interrompe o pagamento do seguro-defeso, mantendo uma determinação da Portaria publicada em dezembro. O argumento é a necessidade de recadastramento, já que há fraudes no pagamento do seguro e que os cofres públicos estão sofrendo as consequências.

Seguro-defeso é o benefício de um salário mínimo pago pelo governo federal aos pescadores profissionais durante o período de reprodução das espécies de peixe, quando a pesca é proibida

O grande problema é que a suspensão acontece justamente no período em que as espécies estão em reprodução. Em outubro, os ministérios da Agricultura (MAPA) e do Meio Ambiente (MMA) suspenderam dez normas de proibição à pesca no período de reprodução de peixes (o defeso) em várias bacias hidrográficas do país. A decisão vale por 120 dias, prorrogáveis por mais 120. Na prática, a portaria libera por completo a pesca de várias espécies de peixes e de ostras em grande parte do Brasil, mesmo que elas estejam em período reprodutivo (muitas vezes chamado de piracema, quando os peixes sobem o rio para desovar).

Interessante destacar que a data da portaria é exatamente três dias após o Ministério da Pesca e Aquicultura ser incorporado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como parte da reforma ministerial.

Soma-se a isso outro grande problema. No dia 17 de dezembro de 2015 deveria entraria em vigor a portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente, que traz uma série de medidas para a conservação e proteção de 475 espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçados de extinção no Brasil. Mas em 8 de junho, uma decisão da Justiça Federal suspendeu temporariamente os efeitos da portaria. Segundo informações do Tribunal Regional Federal da 1ª Região divulgadas pela organização Oceana, não há previsão de data para o julgamento da liminar.

A pertinência científica dos dados usados no processo de avaliação que resultaram na Portaria 445/2014 foi discutida e validada pelo Painel Independente de Especialistas do Ministério do Meio Ambiente (Portaria MMA nº 162 de 2015), que contou com a participação de especialistas do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), das universidades e de organizações científicas.

Segundo dados divulgados no portal da Revista Planeta, 31 das 445 espécies – entre as quais estão garoupas, badejos, tubarões e raias – têm valor comercial, o que poderia ter ajudado a derrubar a portaria. Ainda de acordo com a publicação, em 2014, no Congresso Mundial de Parques, em Sydney (Austrália), o governo brasileiro se comprometeu a aumentar o percentual de áreas protegidas no mar para 5% até 2020. Dos 3,6 milhões de km² que formam o território marinho brasileiro, há 3 mil km de recifes de coral, mas nem 2% dessa riqueza está protegida por unidades de conservação. Como bem destacou a publicação, é uma verdadeira inépcia nacional.

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Sobre

Estamos em processo de adaptação ao planeta Terra e ainda precisamos aprender a conviver e cuidar dele da mesma forma que cuidamos de uma criança ou um idoso. Ele é um sistema vivo, no qual todas as partes interagem, inclusive conosco. E o cuidado é essencial, mais do que a razão e a vontade. Mas para cuidar é preciso conhecer. Por isso, este blog se propõe dialogar sobre meio ambiente, destacando fatos importantes para quem quer ambientar-se ainda mais com a nossa casa.

Autores

Ana Carolina Wolfe

Formada em jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), é repórter de Cidade Nova desde 2011. Começou a se interessar por meio ambiente em 2002. Desde então, se apaixonou pela “tradução” de temas ambientais ao público. Hoje, além de Cidade Nova, atua como assessora de imprensa em um centro de pesquisa voltado ao agronegócio e como diretora na ONG Florespi.