Gre-Nal terá torcida mista

Sempre achei que o problema da violência entre torcidas organizadas no futebol brasileiro fosse algo insolúvel. Por vários motivos, como a falta de rigor e aplicação da lei, a conivência dos grandes clubes e a própria constituição dessas facções – que pregam o confronto e o vandalismo, entre outras práticas abomináveis. Ao mesmo tempo em que promovem um belíssimo espetáculo no estádio, elas são as responsáveis por destruí-lo. É a propaganda mais falaciosa que há hoje no futebol bretão.

“Se nos bares e nas casas as pessoas assistem aos jogos juntos, por que elas não podem fazer o mesmo no estádio?", questiona o vice-presidente de administração do Inter, Alexandre Limeira.

A questão é tão complexa e recorrente que fez esgotar até o fôlego para o debate. Por que perder tempo na imprensa falando sobre o tema se a cada clássico o roteiro do terror será sempre o mesmo? Pior: fez muita gente (federações e poder público) optar pela covardia e adotar torcida única nos estádios. Como se a lógica da exclusão fosse resolver algo.

No último domingo, 22, a barbárie se consumou no Rio de Janeiro, antes e depois do esvaziado clássico entre Vasco e Fluminense. Mais de cem torcedores foram presos. Muitos deles encaminhados para a Penitenciária de Bangu, o que já é um alento. Normalmente esses “torcedores” eram liberados no mesmo dia da confusão.

A punição exemplar, evidentemente, é um dos caminhos para tirar o futebol da lama. Algo que está intrinsicamente ligado ao trabalho das polícias civil e militar e, principalmente, na condução dos casos pelos tribunais. Restringir o acesso ao estádio para quem briga é o mínimo a se fazer! Será tão difícil assim?

Enquanto a esfera pública bate cabeça para sair do marasmo, alguns clubes têm começado a incentivar ações pedagógicas bastante interessantes. No começo de fevereiro, o primeiro Sport X Náutico do ano contou com algo totalmente inédito: mães de torcedores ficaram responsáveis por cuidar da segurança de alguns setores da Arena Pernambuco – ação que partiu da diretoria do Leão da Ilha. Diante delas, os filhos mudaram completamente seu comportamento. Até os xingamentos foram mais brandos... O clima de paz e confraternização só ajudou a dar protagonismo à peleja, que é o que todos queremos.

No próximo domingo, 1º de março, teremos outra ação deste tipo, só que agora envolvendo um dos clássicos mais acirrados do Brasil: Internacional X Grêmio. A ideia partiu da diretoria do Colorado, já que o jogo será disputado no Beira Rio. Uma área do estádio com capacidade para dois mil torcedores foi reservada para uma torcida mista. Segundo o vice-presidente de administração do Inter, Alexandre Limeira, o setor terá, obrigatoriamente, mil torcedores de cada time, sentados lado a lado, compondo um cenário azul e vermelho. Para garantir essa composição, o clube vendeu os ingressos somente aos seus sócio-torcedores. Quem adquirisse uma entrada, automaticamente ganhava outra. A única condição era levar um amigo ou familiar gremista, devidamente identificado e trajado com as cores de seu clube do coração. Nada de se camuflar para ir ao estádio.  

“Se nos bares e nas casas as pessoas assistem aos jogos juntos, por que elas não podem fazer o mesmo no estádio?”, questionou o dirigente. A ação teve respaldo da Brigada Militar de Porto Alegre e foi muito bem recebida pelo Grêmio, de acordo com Limeira. As únicas vozes dissonantes, veja só, vieram de representantes das torcidas organizadas. A turma da intolerância, é claro, desaprovou o modelo misto de torcida. “A gente precisa parar de trabalhar para uma minoria”, ressaltou Limeira.

O recado não poderia ser melhor. O futebol brasileiro não pode ignorar uma massa incrível de torcedores que vinha sendo deixada de lado, em especial nos clássicos. Gente que não era mais convidada a presenciar um clássico no estádio – por motivos óbvios. Gente idônea, apaixonada por futebol, e refém do terrorismo das organizadas. No domingo, eles estarão sentados juntos, torcendo e provocando o adversário, mas sem brigar e promover confusão – ao menos é o que se espera. Vale lembrar que todos os ingressos disponibilizados para este setor se esgotaram rapidamente.
A torcida, agora, é para que o setor misto só se amplie. Começou com dois mil. Quem sabe, daqui alguns anos, não tenhamos metade do estádio com torcida mista? Você consegue imaginar? Ou é pura utopia?  

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Futebol, torcidas organizadas, violência



Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.