O maestro do Canão

Já na pré-estreia houve um forte indicativo de quanto a popularidade do rapper Sabotage continuava em alta. Quatro mil pessoas foram ao Auditório do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, na tentativa de conseguir um dos 800 ingressos disponibilizados para a exibição do documentário Sabotage: O Maestro do Canão.

O rapper Sabotage. Foto: Divulgação

Era uma sexta-feira, 23 de janeiro. A morte do músico completaria exatos doze anos no dia seguinte. A organização do evento não esperava tamanha adesão do público, ainda que o evento no Facebook já contasse com 60 mil confirmados. Houve confusão, empurra-empurra e uma porta de vidro da entrada do auditório quebrada. Pelo menos duas pessoas ficaram feridas, mas sem gravidade. Sessões extras tiveram que ser improvisadas por conta da forte demanda.

A partir desta semana o desejo represado de muitos fãs poderá ser atendido com mais tranquilidade. O filme está entrando no circuito dos cinemas, em seis capitais e com várias sessões gratuitas. Acompanhe aqui a grade de programação e sua permanência nas salas ao longo dos próximos dias.

Diretor da empreitada, Ivan 13P vem trabalhando no longa há pelo menos dez anos. Seis meses antes do assassinato que tirou Sabota de cena, aos 29 anos, Ivan registrou uma longa entrevista com o artista para um outro documentário, de nome Favela no Ar. Mas grande parte do material registrado não fora utilizado. Era a “desculpa” que precisava para começar a compor um filme exclusivo sobre Sabotage. “A entrevista serviu de linha narrativa para o documentário”, conta o cineasta.

Até 2010, tocou o projeto à frente por conta própria, apoiado apenas pela família do músico, em especial da viúva, Dalva Viana, e do filho Wanderson Rocha, o Sabotinha. “Cheguei a fazer uns cortes na época. O problema é que estava virando um documentário dos rappers sobre um rapper”, diz. Foi quando Sabotinha lhe apresentou o produtor Denis Feijão (de Raul, O Início, o Fim e o Meio), diretor-presidente da Elixir Entretenimento.

A parceria permitiu maior aporte de recursos e uma abordagem mais universal sobre a figura de Sabotage, incluindo depoimentos de personalidades fora do universo do rap, como os cineastas Beto Brant e Hector Babenco. Ao todo, mais de 30 pessoas falam sobre “Maurinho”, a maneira como Mauro Mateus dos Santos era conhecido na favela do Canão, zona sul da capital paulista.

Nomes como Rapin Hood (“Sabotage foi como um Garrincha”), Paulo Miklos (“quer saber o que é o rap nacional? É o Sabotage”), Alexandre de Maio (“ele é o Che Guevara do rap”), João Gordo (“foi um furacão, que passou e foi embora”), Daniel Ganjaman (“em termos de criatividade, ninguém bate ele”) e Aílton Graça (“era uma mistura de Tupac com Snoop Dogg) exaltam as qualidades do MC.

O envolvimento de Sabotage com o tráfico, antes do estrelato, foi propositalmente deixado de lado no documentário, assim como as circunstâncias que levaram à sua morte, em 2003. “Queria apenas valorizar o lado artístico do Sabota. Até porque ouvi versões muito contraditórias sobre sua imersão no crime”, relata Ivan. O rapper foi assassinado com quatro tiros no dia 24 de janeiro, após deixar a esposa no trabalho.

Em 2010, Sirlei Menezes da Silva foi condenado a 14 anos de prisão em regime fechado pelo crime. Ele cumpre a pena no presídio de Andradina (SP). Segundo as investigações do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), a motivação para o homicídio teria sido vingança. Sabotage e Sirlei estavam envolvidos em uma rede de tráfico de drogas na Favela da Paz, na zona sul de São Paulo, local onde moraram durante algum tempo.

Sabotage despontou na cena do rap na segunda metade dos anos 90, reconhecido por ser um rimador muito habilidoso. Após ser apresentado a Sandrão, do RZO, ganhou a oportunidade de gravar seu primeiro disco. E foi o único da carreira: O Rap é Compromisso. Antes mesmo de sua morte, o álbum já era visto como um clássico da música brasileira. Ele faz parte de uma geração que viu no rap a única tábua de salvação para enfrentar a dura realidade de quem nasceu e cresceu na favela.

Apesar de evitar essas passagens mais nebulosas da trajetória de Sabotage, o documentário é muito consistente. Além dos inúmeros depoimentos, há um farto material de arquivo e umas intervenções animadas, que é o grande charme da produção. O compromisso com o rap, ao que tudo indica, segue inabalável.

Veja o trailer de Sabotage: o Maestro do Canão

 

 



Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.