A vez dos esportistas naturalizados

Ontem, enquanto o Brasil inteiro acompanhava, sensibilizado, o funeral do político pernambucano, Eduardo Campos, aqui na Europa, as atenções estavam voltadas para o segundo grande evento esportivo do ano: o campeonato europeu de atletismo.

Realizado em Zurique, capital econômica da Suíça, o evento chamou a atenção por ressaltar, além da força das nações europeias, um fenômeno que já se via claramente na Copa do Mundo de futebol no Brasil: a explosão do número de imigrantes (ou filhos de imigrantes) naturalizados no cenário esportivo.

Mujinga Kambundji (filha de pai congolês e mãe suíça) foi grande estrela da Suíça no Campeonato Europeu de Atletismo. Foto: Jürg Vollmer/Flickr

Esporte como instrumento de inclusão

O dicionário Houaiss define o termo mestiço como “pessoa que provém do cruzamento de pais de raças diferentes”. Contudo, não são somente os filhos de pais de raças diferentes que são incorporados às equipes esportivas europeias. Nas últimas décadas, graças aos constantes fluxos migratórios, o esporte está se convertendo na melhor tradução de um mundo sem fronteiras, que embaralha conceitos como nacionalidade. A diversidade étnica, que parecia ser um diferencial brasileiro, como nação multirracial, hoje já se vê refletida em várias equipes esportivas europeias como Alemanha, Bélgica, Inglaterra e Suíça.

Para dar um exemplo recente, das 32 equipes que participam da Copa do Mundo de 2014, a seleção suíça é a que dispunha do maior número de jogadores de origem estrangeira. A estrela do time Xherdan Shaqiri, nascido no Kosovo, é filho de refugiados da guerra dos Balcãs nos anos 1990. Há vinte anos, na Copa do Mundo nos Estados Unidos, o jogador de origem argentina Nestor Subiat era o único naturalizado da equipe, o que mostra que esse é um fenômeno recente.

A discrepância da inclusão social aplicada aos “bons imigrantes” esportistas e os demais, especialmente os refugiados, é polêmica e acaba fazendo do esporte um instrumento decisivo na integração

O campeonato europeu de atletismo na Suíça também salientou essa mistura racial destacando, por exemplo, Mujinga Kambundji (filha de pai congolês e mãe suíça) como grande estrela do país anfitrião. Além dela, Kariem Hussein (filho de pai egípcio e mãe suíça), garantiu a única medalha de ouro da Suíça no evento esportivo.

Disparidade na inclusão cidadã

O grande protagonismo dos esportistas naturalizados faz com que alguns países que eles representam, comecem a refletir o paradoxo existente, quando se analisa as decisões políticas a respeito de seus imigrantes. Também neste aspecto, o exemplo suíço acaba sendo simbólico. Recentemente, a maioria de seus eleitores aprovou em referendo uma iniciativa denominada «Contra a Imigração em Massa», que restabelece o princípio da preferência pelo trabalhador nacional face ao estrangeiro. A iniciativa prevê a revisão dos tratados internacionais, o que afeta, entre outros países, as relações com a União Europeia.

Das 32 equipes que participam da Copa do Mundo de 2014, a seleção suíça é a que dispunha do maior número de jogadores de origem estrangeira. Foto: Jens Matheuszik/Flickr

A discrepância da inclusão social aplicada aos “bons imigrantes” esportistas e os demais, especialmente os refugiados, é polêmica e acaba fazendo do esporte um instrumento decisivo na integração. Segundo o presidente da Associação Suíça de Futebol, Peter Gilléron, “não existe um vetor de integração na Suíça mais importante do que o futebol".

Em entrevista a um canal de televisão francês, o ex-técnico da seleção de futebol suíça Ottmar Hitzfeld, explicando a escolha de Gökhan Inler, jogador que possui dupla-nacionalidade, como capitão da equipe, fez uma declaração importante: "Eu confiei a ele, um imigrante turco, o papel de capitão, pois queria dar mais importância aos jogadores de origem estrangeira na equipe. Essa diversidade representa bem a Suíça de hoje e dá uma prova da sua tolerância. Nós temos orgulho de mostrar que o país pode integrar bem seus estrangeiros”.

O inclusão de imigrantes no cenário esportivo pode dar pistas importantes sobre como lidar com as diferenças, fazendo da diversidade étnica um fator de enriquecimento para uma nação. O desafio agora é aplicar essa experiência de sucesso às outras esferas da sociedade.

 

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Sobre

Fazer do esporte um instrumento de promoção da fraternidade é aceitar o desafio de descobrir, acima de tudo, a prática de atividades físicas como possibilidade de encontro, de relação. Em uma competição esportiva, o adversário não é um inimigo, nem o jogo uma batalha. Por isso, respeitar as regras predefinidas e preservar um espírito de lealdade e honestidade tornam-se elementos essenciais para que o esporte realize a sua missão socioeducativa. Neste blog, queremos identificar, discutir e descobrir os grandes promotores do esporte no Brasil e no mundo e, com eles, refletir sobre valores que ajudam a edificar a nossa sociedade.

Autores

Valter Hugo Muniz

Jornalista com experiências internacionais na Ásia (Indonésia) e na África (Costa do Marfim). Atualmente mora em Genebra, na Suíça. É formado em jornalismo pela PUC-SP. Trabalhou em agências de comunicação, empresas multinacionais, editoras e na televisão. Concluiu recentemente uma pós-graduação no Instituto Universitário Sophia, em Florença, Itália.