Economia / Política
  

Economista analisa as raízes da guerra Israel-Palestina

Entenda a lógica por trás da doutrina baseada na punição golpe por golpe, que torna cíclicas as explosões de violência na região da Terra Santa

por Vittorio Pelligra - Città Nuova*   publicado às 18:09 de 08/08/2014, modificado às 18:34 de 08/08/2014

O confronto entre israelenses e palestinos, retomado nos últimos dias, desde o lançamento de foguetes pelo Hamas e a subsequente invasão dos tanques de Jerusalém, é um verdadeiro quebra-cabeças diplomático e geopolítico. Tendo visitado várias vezes esses lugares, pude respirar histórias que não se esquecem, devido à violência e ao sofrimento de ambos os lados, os repetidos acordos seguidos de violações, abusos, provocação e muito mais. Tomar uma posição clara, fundamentada e racional não é fácil e talvez não seja realmente possível. Não me parece impossível, no entanto, tentar fornecer alguns elementos para compreender a lógica que está por trás desse conflito e que de alguma forma faz com que seja tão difícil resolvê-lo.

Menino senta sobre ruínas em Gaza. Foto: UNICEF/El Baba

Entendi algo mais a esse respeito em um diálogo público que tive no mês passado com Robert Aumann, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, teórico dos jogos, um dos maiores especialistas em estratégia e membro da direita política israelense. Aumann foi, com muitos outros, um dos artífices da estratégia dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.

A ideia que está à base de sua posição é exemplificada pela máxima latina si vis pacem, para bellum, se queres a paz, prepara a guerra. O conceito básico é o da dissuasão. Queremos paz e não atacamos primeiro, mas se alguém decide atacar-nos, então estaremos prontos a contra-atacar com determinação e será essa disposição a punir, a contra-atacar, que induzirá a outra parte a não fazê-lo.

Essa doutrina do "delicado equilíbrio do terror" garantiu, ao longo dos anos da Guerra Fria, uma paz tão frágil quanto duradoura. Dois outros fatores contribuíram para fazer funcionar a lógica da dissuasão: o fato de haver uma situação polarizada que previa apenas dois atores, os Estados Unidos e a União Soviética, e a simetria entre as partes, ou seja, o fato de que os arsenais nucleares das duas superpotências eram, ou assim se pensava na época, equivalentes.

Do diálogo que tive com ele, cheguei à conclusão de que Aumann continua convencido de que tal estratégia pode garantir, mesmo no mundo de hoje, policêntrico e assimétrico, a paz, inclusive entre israelenses e palestinos. À base dessa crença está uma confiança inabalável no poder da matemática, da “sua” teoria dos jogos repetidos, trabalho pelo qual recebeu o Nobel, que explica como é possível obter, entre dois jogadores totalmente auto-interessados, a cooperação em situações difíceis (o famoso dilema do prisioneiro, por exemplo, que também nasceu no ambiente da RAND Corp., como a ideia de "delicado equilíbrio do terror" citada acima). Para que isso aconteça é necessário que cada jogador possa ameaçar não cooperar, caso o outro não coopere. Caso a situação se repita um número indefinido de vezes, até os indivíduos puramente egoístas serão forçadas a cooperar.

A ideia que está à base da posição de Robert Aumann, Prêmio Nobel de Economia, é exemplificada pela máxima latina si vis pacem, para bellum, se queres a paz, prepara a guerra

Daqui o raciocínio de Aumann: mesmo que as duas partes envolvidas não queiram a paz (cooperação), serão induzidas a obtê-la graças ao desejo de evitar os custos prolongados da punição resultante de uma sua violação. Esta é a mesma lógica que está por trás da estratégia, chamada tit-for-tat do exército israelense, que prevê retaliações imediatas aos ataques e provocações.

A lógica do argumento é convincente, a qualidade da matemática que a suporta é excelente, a confiança de Aumann, nas suas conclusões, inabalável. No entanto, a guerra continua. Por quê?

Homo sapiens não é o homo economicus

Se olharmos melhor os pressupostos que fundamentam a teoria de Aumann e toda a teoria dos jogos clássica, existem três conceitos de particular importância: o auto-interesse, a racionalidade e o conhecimento comum da racionalidade. Os principais modelos teóricos assumem, portanto, que os sujeitos, os jogadores, são movidos, nas suas escolhas, exclusivamente pela busca de seus interesses individuais; assumem também que as pessoas são perfeitamente racionais (ou seja, coerentes, perfeitas em sua capacidade de cálculo e memória, totalmente imunes a emoções e influências sociais, etc.); e, ainda, que tal racionalidade é conhecida por todos os jogadores, ou seja, que cada jogador pode afirmar que sabe que o outro é racional e que esse outro jogador pode dizer que o primeiro sabe que ele é racional e assim por diante ad infinitum. Somente se essas três premissas são atendidas os resultados da teoria dos jogos clássica podem ser verificados.

Infelizmente ou felizmente, o homo sapiens não é o homo economicus. A partir dos estudos da psicologia cognitiva e da economia comportamental, sabemos muito bem o como e o quanto as pessoas reais afastam-se desse modelo: quantas vezes elas não se comportam de maneira autointeressata, quão pouco são racionais no sentido clássico e como elas são incapazes de raciocinar com base no conhecimento comum da racionalidade.

Mas disso ainda não se segue que a conclusão de Aumann acerca da possibilidade de que a paz se baseie na ameaça seja totalmente descartada.

Se é verdade, de fato, que as pessoas reais, ao contrário do homo economicus, não são puramente egoístas e racionais, é também verdade que o seu comportamento é, no entanto, sistemático, e, portanto, previsível. Uma regularidade que emergiu claramente a partir das pesquisas dos últimos anos é a forte tendência que os seres humanos têm de punir aqueles que, do seu ponto de vista, agem de forma desleal ou violam uma regra social compartilhada, mesmo que tal punição custe caro. Esta tendência denomina-se reciprocidade forte e está na base da assim chamada “punição altruísta”.

Quem sabe quanto tempo será necessário para que as pesquisas que mostram a nocividade da doutrina baseada na punição golpe por golpe cheguem aos generais israelenses, permitindo o desenvolvimento de novas estratégias para esfriar o conflito ao invés de provocá-lo periodicamente

Enquanto na teoria de Aumann os jogadores estavam dispostos a punir a outra parte para convencê-la a cooperar nos encontros seguintes, no caso da “punição altruísta”, as pessoas estão dispostas a punir aqueles que violaram a norma mesmo sabendo que eles nunca mais os encontrarão e, portanto, que não se beneficiarão de uma sua eventual “conversão”. Em outras palavras, suporto os custos de puni-lo, para que você esteja disposto a cooperar com outra pessoa; daí o nome “punição altruísta”.

A presença da reciprocidade forte permite, portanto, que a cooperação (a não-agressão, no nosso exemplo) se difunda mesmo na presença de uma comunidade de indivíduos não puramente auto-interessados, não perfeitamente racionais e na ausência do conhecimento comum da racionalidade. Em torno dessa ideia se desenvolveu um programa de pesquisa florescente e uma vasta literatura, com milhares de publicações e pesquisadores de primeira ordem que investigaram os fundamentos evolutivos e neurocientíficos do nosso senso de justiça, da nossa aversão à desigualdade, da nossa tendência à reciprocidade e à punição, e exploraram suas consequências sociais e institucionais.

Essas novas descobertas parecem, portanto, dar nova vida às conclusões de Aumann, que assim adquirem um realismo inesperado: a ameaça credível de punição, fundada sobre um traço evolutivo característico de todos os primatas superiores, a reciprocidade forte, constitui a melhor garantia para paz.

Mas então, por que as consequências cruéis do conflito entre Israel e Palestina ainda estão tragicamente diante de nossos olhos?

Olho por olho torna o mundo cego

Em 2008, um jovem economista de origem grega, Nikos Nikiforakis, publicou um estudo engenhoso que descreve um experimento em que os sujeitos são colocados numa situação social do tipo dilema do prisioneiro. Nessa situação, se todos colaborassem, todos ficariam melhor; mas a partir do momento em que todos contassem com a cooperação de todos, se constituiria um cenário ótimo para que qualquer um dos jogadores parasse de cooperar, a fim de, assim, desfrutar dos benefícios dos produtos de todos os outros, sem incorrer nos custos associados. Essa é a situação típica utilizada (e resolvida) em estudos de reciprocidade forte. Cooperar não é racional, mas o medo de uma punição altruísta, leva inclusive as partes auto-interessadas a cooperar.

E aqui está a novidade do estudo de Nikiforakis, que se pergunta o que aconteceria se fosse dada aos jogadores punidos a oportunidade de contra-punir aquele ou aquela de quem recebeu a punição: aceitariam de bom grado a punição e procurariam ser bons a partir de então, ou explorariam a oportunidade de contra-punir para expressar seu descontentamento quanto à punição recebida e talvez considerada ilegítima ou abusiva? Naturalmente o que acontece é que a grande maioria dos que são punidos não aceitam de bom grado a punição e reagem contra-punindo. Acontece, portanto, que, por medo de ser contra-punidos, os que cooperam decidem parar de punir aqueles que não cooperam e, consequentemente, deixam também eles de cooperar. O que se obtém no final é o colapso da cooperação. Ninguém faz mais a própria parte e se acaba na anarquia, bellum omnium contra omnes.

Quando à punição, mais ou menos legítima, pode seguir-se uma contra-punição, como geralmente acontece em situações da vida real, o mecanismo de reciprocidade forte já não garante o surgimento de cooperação, pelo contrário, favorece o aparecimento de ciclos potencialmente infinitos de punição e contra-punição.

Eis o que estamos observando há décadas entre israelenses e palestinos, ciclos intermináveis ​​de punição e contra-punição.

Sem querer tomar uma posição clara que, como eu disse no início, parece-me uma operação muito complexa, não posso deixar de me perguntar que papel Robert Aumann e outros como ele tiveram ao plasmar a estratégia militar israelense com base em uma teoria ultrapassada e mal aplicada. E quem sabe quanto tempo será necessário para que os mais recentes resultados das pesquisas que destacam a nocividade de uma doutrina baseada na punição golpe por golpe cheguem aos generais israelenses, permitindo o desenvolvimento de novas estratégias para esfriar o conflito ao invés de provocá-lo periodicamente com o constante risco de incendiar toda a região.

Esperemos que não muito.

Texto originalmente publicado em italiano no blog de Vittorio Pelligra. Tradução: Daniel Fassa

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