Regras para enfrentar as dificuldades

Texto originalmente publicado no jornal italiano Avvenire, em 15/04/2015, e no site da Economia de Comunhão. Tradução: Adriana Mendes

Já são muitos os que falam em retomada da economia e do PIB, como se o PIB conseguisse falar por si só de coisas boas. A realidade da nossa economia mostra que as empresas sofrem e continuarão a sofrer muito ainda, e com elas o mundo do trabalho. E não sofrem e fecham somente por falta de mercado e de vendas. Uma causa comum de sofrimento e de falência encontra-se, de fato, em alguns típicos erros na gestão dos trabalhadores durante as crises. Quando passamos por fases difíceis e longas, cometemos mais facilmente muitos erros graves nas relações entre a chefia e os trabalhadores.

As empresas reais vivem se conseguem criar um organismo vivo de relacionamentos virtuosos entre todos os vários componentes da organização. Arte: Freepik*

Vemos, sempre mais, grandes empresas que diante de uma crise que comporta a redução de pessoal (não nos esqueçamos que...

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O grito que nos faz ricos

Acorda, Senhor! Por que dormes? 
Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que desvias de nós o teu olhar e te 
esqueces dos nossos sofrimentos e aflições? A nossa alma está caída no pó e
 o nosso corpo colado à terra. Levanta-te...! (Salmo 44 (43), 24-27)

A primeira oração que aparece na Bíblia é um grito, um bramido ao céu que se ergue de um povo oprimido. Nunca será libertado quem primeiro não tiver experimentado a necessidade de libertação, quem não tiver gritado, acreditando ou esperando que haja alguém, do outro lado ou do alto, a acolher o seu grito. Ou, dito de outro modo, quem não se sente oprimido por qualquer faraó ou quem perdeu a esperança de que alguém escute o seu grito não terá qualquer motivo para gritar e não será libertado.

Moisés inicia a sua vida pública matando um homem: “Quando Moisés já era homem, saiu um dia para visitar os seus irmãos hebreus e viu que os seus trabalhos eram muito pesados. Viu também um egípcio a bater num dos hebreus. Olhou para todos os...

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O amor não faz concessões ao poder

Sempre houve impérios e ainda hoje os há. Mas agora estamos a deixar-nos adormecer por eles e cada vez mais se torna difícil reconhecê-los. E não os reconhecendo, não se lhes dá o seu nome verdadeiro, não se sente a opressão, não se inicia qualquer caminho de libertação. Fica-se apenas com a ‘soberania’ dos consumidores, cada vez mais infelizes e sós nos próprios sofás.

A leitura e a meditação do livro do Êxodo é um grande exercício espiritual e ético, porventura o maior, para quem deseja tomar consciência dos ‘faraós’ opressores, sentir de novo dentro de si o desejo de liberdade, ouvir o grito de opressão dos pobres, tentar libertar pelo menos alguns deles. E para quem deseja imitar as parteiras do Egito, que amam todas as crianças.

Há uma continuidade direta entre o Génesis e o Êxodo: “José e os seus irmãos e todos os daquela geração morreram, mas os israelitas tiveram filhos e cresceram muito, tendo-se tornado tão numerosos e fortes que enchiam todo o Egito. Subiu então ao trono...

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No final da noite e para além dela

Em que é que se ocupam?”, perguntou o faraó aos irmãos de José. “Nós somos pastores de ovelhas”, responderam (47,3). A pergunta sobre a profissão é a primeira na vida de um adulto. Quando não se sabe responder a essa primeira pergunta, quem sofre é o nosso lugar no mundo e não apenas o posto de trabalho. A profissão é a sintaxe com que se compõe o nosso discurso social. 

Por isso, quando a um jovem não se oferece uma profissão (que, antes de ser talento e trabalho, é um dom: a profissão aprende-se de alguém), ficam faltando-lhe palavras para falar de si, aos outros e a si mesmo. A grave indigência de postos de trabalho da nossa época é também consequência de uma profunda crise de profissões. Os que foram criados pela cultura artesanal, marinheira e agrícola, de profissões, da fábrica e dos escritórios, estão a contrair-se rapidamente; muitos desapareceram. E, na presente carestia de promessas e de sonhos, nós não conseguimos criar quantos bastem.

Jacob viveu dezassete anos no Egito...

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Mendigos de bençãos

Para observar uma existência, o melhor ponto de vista é o último. O sentido pleno e mais verdadeiro de uma vida, na sua totalidade, revela-se no final, quando a vocação se cumpre e o desígnio se manifesta. Assim sendo, para quem tem a graça de lá chegar, a velhice é uma fase decisiva da vida; é então que, à luminosa luz do pôr do sol, se pode colher a trama da nossa história.

Quando a vida natural parece chegar ao fim, poderá acontecer que, no outono da existência, a vida espiritual experimente uma nova primavera, decisiva (existem muitas primaveras nos outonos da vida, mas nem sempre se tem a capacidade de as reconhecer, mesmo em quem vive debaixo do mesmo teto). Recomeça, então, a caminhada, a aventura da alma retoma o entusiasmo da juventude.

Foi assim a vida dos patriarcas, a vida de Jacob: já velho, põe-se de novo a caminho em direção ao Egito, seguindo a mesma voz que, quando era jovem, o tinha chamado em Betel. Após a reconciliação com os irmãos, José envia-os irmãos a Canaã...

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Irmãos, mas sempre com o Pai

Acompanhar uma vocação que se desenvolve e realiza é uma das experiências humanas mais assombrosas. É um dom especialmente precioso em períodos de carestia de "vozes" e sonhos, quando mais fortes se tornam o desejo de gratuidade e a nostalgia de histórias de pura charis que só quem recebe uma vocação pode viver e fazer viver.

Qualquer vocação autêntica – seja ela artística, religiosa ou civil – é, portanto, um bem público; tanto ou mais ainda que uma fonte, uma floresta ou um oceano, porque a presença de vocações que chegam à maturidade torna a terra de todos um lugar melhor para viver, para morrer; para criar e educar crianças. A Bíblia é também um cofre onde – desde há milénios – estão guardadas muitas grandes histórias de vocações. Conservadas para nós, apenas. Para que possamos revivê-las, encarná-las, fazer com que sejam a nossa história; para assim tornarmos melhor a nossa vida e a vida de todos.

Em Canaã, ainda moço, José tivera, em sonho, o anúncio da sua vocação: viu o seu...

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Sobre

A gratuidade entendida como dom é uma dimensão constitutiva da vida e do ser humano, também do "homo economicus". Virtudes como gratuidade, liberdade e respeito pela pessoa encontram-se nas origens da economia (séculos 8 e 9). Hoje, reintroduzir a gratuidade na economia significa inverter a lógica do lucro para recolocar no centro os mais pobres, a pessoa e suas motivações, sua dignidade, ideais, sentimentos. Neste blog, Luigino Bruni faz uma leitura da economia atual, à luz dessas reflexões. Na primeira série de textos deste ano, intitulada "A árvore da vida", o autor busca explorar as reflexões econômicas e civis suscitadas pelo patrimônio cultural judaico-cristão.

Autores

Luigino Bruni

Professor de Economia Política da Universidade Lumsa de Roma e do Instituto Universitário Sophia. Seus principais temas de pesquisa são reciprocidade, felicidade na economia, bens relacionais, Economia de Comunhão, Economia Civil e Economia Social.