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Hotel na Grécia abre as portas para receber refugiados

Em parceria com a ACNUR, o estabelecimento se tornou um espaço em que refugiados, funcionários e moradores podem comer, trabalhar e viver juntos, aprendendo uns com os outros

por ONU Brasil   publicado às 08:02 de 26/12/2016, modificado às 14:13 de 26/12/2016

Durante meses, o hoteleiro Andreas Vasileiou sentiu-se impotente enquanto assistia às notícias de refugiados vivendo em condições terríveis na Grécia. Ele queria dar um lugar melhor para essa população de deslocados que havia chegado ao seu país. Então, na primavera, decidiu mudar a clientela do Hotel Rovies, estabelecimento à beira-mar que ele administra com a família em Evia, a segunda maior ilha do território grego.

Andreas Vasileiou, proprietário do Hotel Rovies, participa da aula de francês para os garotos sírios que vivem na hospedaria. Foto: Achilleas Zavallis/ACNUR

Vasileiou respondeu a um pedido feito pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que solicitou a donos de hospedarias que abrigassem refugiados. A convocação era parte de um programa de alojamento financiado pela Comissão Europeia.

O hotel tornou-se o lar temporário de quase 90 solicitantes de refúgio vindos da Síria, Iraque, Eritreia e outros países. Cerca de metade deles são crianças.

O local não oferece apenas um teto para que os estrangeiros possam dormir tranquilamente. Vasileiou foi mais longe e criou um ambiente onde refugiados, funcionários e moradores da aldeia vizinha podem comer, trabalhar e viver juntos, aprendendo uns com os outros.

No Hotel Rovies, instrutores contratados por meio do programa de alojamento ensinam aos refugiados habilidades de teatro e natação na praia logo em frente. As mulheres cozinham suas refeições tradicionais na movimentada cozinha coletiva, enquanto na área de recepção, a TV está sintonizada em canais árabes. As crianças frequentam aulas de alemão, inglês e francês, ministradas por professores gregos e por companheiros refugiados.

“Vivemos todos juntos no hotel”, diz Vasileiou. “Eu durmo em um quarto. E a equipe de Atenas dorme em outro. Suas portas estão literalmente sempre abertas. Fazemos com que eles sintam que esta é a casa deles e que eles fazem parte de uma família.”

Oriunda dos arredores de Damasco, na Síria, Salam, de dez anos, divide um quarto no Rovies com seus dois irmãos mais velhos. Ela tornou-se a cuidadora deles: Ashraf, de 24 anos, é parcialmente cego, enquanto Ghufran, de 22 anos, tem deficiências de desenvolvimento. Eles estão entre os muitos casos de pessoas vulneráveis instaladas no hotel. “Não é nossa casa, mas é o mais próximo que poderíamos ter agora”, diz a menina.

O programa de alojamento faz parte do plano de realocação da União Europeia, que visa transferir 66,4 mil requerentes de asilo da Grécia para outros países europeus até setembro de 2017. A maioria dos refugiados no Hotel Rovies está entre os que poderiam encontrar novas residências em outras regiões da Europa. Vários já partiram para a França, Espanha, Suíça, Romênia e Holanda.

Outros, como Salam e seus irmãos, têm um direito legal à reunificação familiar, tal como previsto pela Regulação de Dublin. Sua mãe e seu irmão de 19 anos são refugiados na Suécia. Ambos os caminhos — realocação e reunião familiar — vêm com longos tempos de espera que podem durar até um ano ou mais. O ACNUR calcula que muitos dos mais de 50 mil refugiados e migrantes na Grécia vivam em centros de recepção superlotados e inadequados.

O programa de alojamento com a Comissão Europeia já permitiu a 18,2 deslocados encontrar moradias melhores em apartamentos, hotéis ou com famílias gregas. Através de parceiros, a agência da ONU já forneceu também assistência na forma de comida, higiene, ajuda médica, aconselhamento jurídico e serviços de tradução.

Envolvimento da comunidade

Os refugiados que ficam no Hotel Rovies também se envolvem com a comunidade local. Em junho, no final do Ramadã, eles montaram um estande para entregar comida síria para os moradores locais. Crianças refugiadas ainda pintaram um mural na parede da escola da vila de Rovies.

Manar, mãe síria de três crianças que mora no hotel, tem 35 anos, e manda seus filhos para o colégio junto com as crianças gregas. Eles estão aprendendo a língua nacional e fazendo amigos.

No hotel, a chefe da família trabalha como professora voluntária de inglês, ministrando três aulas, de uma hora cada, por dia. Muitos alunos estão atrasados na educação devido aos anos de guerra que os impediram de ir à escola.

“Quando chegam ao hotel, muitas das crianças estão perdidas e não conseguem se comportar depois de tudo por que passaram”, diz Manar, cuja família chegou à ilha grega de Samos em fevereiro. “As aulas dão a eles uma rotina e algo para fazer. Eles se acalmam e começam a aprender de novo.”

Os refugiados no hotel estão ansiosos para partirem para seus novos países. Mas a ocasião é muitas vezes difícil quando finalmente chega. “Choramos muito”, diz Vasileiou. “Os laços entre os refugiados, o pessoal e os moradores são muito fortes. Todos eles prometem voltar.”

O dono da hospedaria tem um sonho recorrente: daqui a 50 anos, uma idosa síria ou iraquiana estará em uma praia europeia ensinando seus netos a nadar. “Eu gosto de pensar que naquele momento, ela vai se lembrar de onde ela estava quando aprendeu a nadar”, diz Vasileiou.

“Depois de fugir da guerra, de condições de vida horríveis, de acampamentos, lama e cimento, ela está em um lugar bonito, onde as pessoas a acolheram, lhe deram amor e afeição e ensinaram-lhe coisas, como nadar. E então talvez ela pense em mim”, conclui o grego.

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