Comportamento / Filosofia
  

"Uma pessoa se torna pessoa somente através dos outros"

Reitor da Universidade Católica da África Oriental, Justus Mbae, fala à nossa correspondente sobre o conceito de Ubuntu

por Maddalena Maltese - Città Nuova   publicado às 12:55 de 05/05/2014, modificado às 12:56 de 05/05/2014

O professor Justus Mbae fala sobre o Ubunto a jovens dos Focolares na Mariapolis Piero, na região de Nairóbi (Quênia).

Justus Mbae, professor e reitor da Universidade Católica da África Oriental, em Nairóbi, estudou filosofia na Grécia. Lembra-se do período europeu como crucial para sua formação, mas também surpreendente pelo grande valor atribuído à pessoa, à sua liberdade, em detrimento dos deveres para com a comunidade. Teria sido fácil ficar na Europa e prosseguir ali seus estudos, mas ele tinha um dever para com as pessoas que o educaram e o ajudaram a ser o que se tornou. Sua realização pessoal não poderia excluí-las ou deixá-las de lado. Devia retornar ao Quênia e restituir ao seu país tudo o que havia recebido.

Ubuntu, na cultura africana, é também isso. O conceito foi o tema da conversa que o professor Mbae teve com os jovens do Movimento dos Focolares no último dia primeiro de maio, durante conferência realizada na Mariapolis Piero, região de Nairóbi (Quênia). O evento faz parte do projeto Sharing with Africa (Compartilhando com a África), que se desenvolve em torno dessa pedra angular da vida das comunidades africanas.

Sorriso aberto, abraço acolhedor, seu modo de responder as perguntas dos interlocutores e de relacionar-se com os curiosos tem pouco de acadêmico. Consegue transmitir uma herança cultural de séculos de maneira apaixonante. Nunca olha para o relógio ao responder nossas perguntas, apesar de seram mais de 20h e o debate ter superado os horários canônicos.

Professor Mbae, o que é o Ubuntu ?

É um elemento fundamental da cultura dos povos africanos. É um modo de viver e de conceber a pessoa em relação à comunidade, que tem um papel central na existência do indivíduo. Qualquer situação ou coisa que nos afeta pessoalmente vem depois da comunidade, porque o indivíduo é parte dela e é através do relacionamento com as outras pessoas que a compõem o que ele se torna uma pessoa. O verdadeiro significado do Ubuntu é que uma pessoa se torna pessoa somente através dos outros. Eu, Justus, não sou ninguém sem os outros. Este conceito é a chave para compreender que a família humana é realmente uma coisa só.

Que contribuição esse conceito pode dar a um mundo onde eu o eu prevalece sobre o nós?

O Ubuntu nos lembra que o verdadeiro significado da vida é a alegria de viver. Ele explica que os fundamentos mais importantes da vida não são as coisas materiais, aquilo que temos, mas como nos relacionamos com os outros. Acho que o Ubuntu relembra todas as culturas da importância das relações humanas e essa é sua missão principal. Ensina-nos que somos todos iguais, que temos um vínculo único, mesmo que sejamos de diversas tribos ou proveniências. E nos impulsiona a agir de acordo com esse ideal, porque não há motivos razoáveis ​​para as divisões entre os homens.

Como os valores contidos no conceito de Ubuntu podem ajudar as outras culturas?

Os valores não são exclusivos da África. O amor, a justiça, a hospitalidade, o cuidado, o sentir-se irmão, toda cultura já os possui tais valores. O Ubuntu é a paixão com que esses valores podem ser realizados. Não é tanto uma filosofia ou um pensamento, mas uma prática que pode ser incorporada no cotidiano da existência. O Ubuntu é a semente de uma escolha, é o compromisso do indivíduo que incorpora um ideal que, quando assumido por muitos, torna possível a unidade da comunidade e do mundo.

A África não está isenta dos processos de globalização e da crise de valores tradicionais. Como o continente está respondendo a tais desafios?

A primeira coisa que eu gostaria de salientar é que a África tem dificuldades para compreender a si mesma e para se fazer entender. Se o mundo globalizado avaliar a África a partir de seu desenvolvimento econômico ou tecnológico, então o continente será excluído desde o início. Mas a vida não é feita apenas de processos econômicos ou tecnológicos: há muito mais. Nós, africanos, não podemos competir com o resto do mundo no que se refere aos progressos econômicos, financeiros ou tecnológicos, mas podemos dar uma contribuição educando aos valores. Este é, na minha opinião, o nosso campo de ação específico e este é o verdadeiro tesouro e a real contribuição que a África pode dar a um mundo onde, por exemplo, os idosos são descartados, enquanto aqui é respeitado por sua experiência. Ou ainda o papel de educar a comunidade em relação a uma criança ou a importância de cuidar de quem está doente e não pode trabalhar para garantir o sustento da própria família. A comunidade onde se vive uns pelos outros é uma resposta ao individualismo.

A plateia de hoje era composta por muitos dos jovens. O senhor teria um conselho a lhes oferecer?

Estou particularmente tocado por esses jovens. Nairóbi, nos dias de hoje, está hospedando um esboço do mundo, porque esses jovens vêm de muitas nações e é a primeira vez que me deparo com uma plateia de pessoas realmente convictas, que sabem o que querem, decididas a realizar o ideal de fraternidade. Nós, adultos, não estamos muito preocupados em mudar o mundo, enquanto eles, em vez disso, querem saber mais sobre as antigas tradições, querem compreender o passado para que as mudanças sejam realmente eficazes. Eles fizeram uma escolha séria pela paz. Quando vejo os jovens, eu vejo a esperança. Meu augúrio é de que eles não desanimem, mesmo estando cientes de que não é fácil de mudar as coisas corretamente. Mas não há razões para desistir. Cada passo dado torna o caminho diante de nós mais fácil. Não devemos olhar para trás , ter orgulho das escolhas feitas e seguir firmes rumo ao objetivo: a unidade da família humana.

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