O professor Justus Mbae fala sobre o Ubunto a jovens dos Focolares na Mariapolis Piero, na região de Nairóbi (Quênia).
Justus Mbae, professor e reitor da Universidade Católica da África Oriental, em Nairóbi, estudou filosofia na Grécia. Lembra-se do período europeu como crucial para sua formação, mas também surpreendente pelo grande valor atribuído à pessoa, à sua liberdade, em detrimento dos deveres para com a comunidade. Teria sido fácil ficar na Europa e prosseguir ali seus estudos, mas ele tinha um dever para com as pessoas que o educaram e o ajudaram a ser o que se tornou. Sua realização pessoal não poderia excluí-las ou deixá-las de lado. Devia retornar ao Quênia e restituir ao seu país tudo o que havia recebido.
Ubuntu, na cultura africana, é também isso. O conceito foi o tema da conversa que o professor Mbae teve com os jovens do Movimento dos Focolares no último dia primeiro de maio, durante conferência realizada na Mariapolis Piero, região de Nairóbi (Quênia). O evento faz parte do projeto Sharing with Africa (Compartilhando com a África), que se desenvolve em torno dessa pedra angular da vida das comunidades africanas.
Sorriso aberto, abraço acolhedor, seu modo de responder as perguntas dos interlocutores e de relacionar-se com os curiosos tem pouco de acadêmico. Consegue transmitir uma herança cultural de séculos de maneira apaixonante. Nunca olha para o relógio ao responder nossas perguntas, apesar de seram mais de 20h e o debate ter superado os horários canônicos.
Professor Mbae, o que é o Ubuntu ?
É um elemento fundamental da cultura dos povos africanos. É um modo de viver e de conceber a pessoa em relação à comunidade, que tem um papel central na existência do indivíduo. Qualquer situação ou coisa que nos afeta pessoalmente vem depois da comunidade, porque o indivíduo é parte dela e é através do relacionamento com as outras pessoas que a compõem o que ele se torna uma pessoa. O verdadeiro significado do Ubuntu é que uma pessoa se torna pessoa somente através dos outros. Eu, Justus, não sou ninguém sem os outros. Este conceito é a chave para compreender que a família humana é realmente uma coisa só.
Que contribuição esse conceito pode dar a um mundo onde eu o eu prevalece sobre o nós?
O Ubuntu nos lembra que o verdadeiro significado da vida é a alegria de viver. Ele explica que os fundamentos mais importantes da vida não são as coisas materiais, aquilo que temos, mas como nos relacionamos com os outros. Acho que o Ubuntu relembra todas as culturas da importância das relações humanas e essa é sua missão principal. Ensina-nos que somos todos iguais, que temos um vínculo único, mesmo que sejamos de diversas tribos ou proveniências. E nos impulsiona a agir de acordo com esse ideal, porque não há motivos razoáveis para as divisões entre os homens.
Como os valores contidos no conceito de Ubuntu podem ajudar as outras culturas?
Os valores não são exclusivos da África. O amor, a justiça, a hospitalidade, o cuidado, o sentir-se irmão, toda cultura já os possui tais valores. O Ubuntu é a paixão com que esses valores podem ser realizados. Não é tanto uma filosofia ou um pensamento, mas uma prática que pode ser incorporada no cotidiano da existência. O Ubuntu é a semente de uma escolha, é o compromisso do indivíduo que incorpora um ideal que, quando assumido por muitos, torna possível a unidade da comunidade e do mundo.
A África não está isenta dos processos de globalização e da crise de valores tradicionais. Como o continente está respondendo a tais desafios?
A primeira coisa que eu gostaria de salientar é que a África tem dificuldades para compreender a si mesma e para se fazer entender. Se o mundo globalizado avaliar a África a partir de seu desenvolvimento econômico ou tecnológico, então o continente será excluído desde o início. Mas a vida não é feita apenas de processos econômicos ou tecnológicos: há muito mais. Nós, africanos, não podemos competir com o resto do mundo no que se refere aos progressos econômicos, financeiros ou tecnológicos, mas podemos dar uma contribuição educando aos valores. Este é, na minha opinião, o nosso campo de ação específico e este é o verdadeiro tesouro e a real contribuição que a África pode dar a um mundo onde, por exemplo, os idosos são descartados, enquanto aqui é respeitado por sua experiência. Ou ainda o papel de educar a comunidade em relação a uma criança ou a importância de cuidar de quem está doente e não pode trabalhar para garantir o sustento da própria família. A comunidade onde se vive uns pelos outros é uma resposta ao individualismo.
A plateia de hoje era composta por muitos dos jovens. O senhor teria um conselho a lhes oferecer?
Estou particularmente tocado por esses jovens. Nairóbi, nos dias de hoje, está hospedando um esboço do mundo, porque esses jovens vêm de muitas nações e é a primeira vez que me deparo com uma plateia de pessoas realmente convictas, que sabem o que querem, decididas a realizar o ideal de fraternidade. Nós, adultos, não estamos muito preocupados em mudar o mundo, enquanto eles, em vez disso, querem saber mais sobre as antigas tradições, querem compreender o passado para que as mudanças sejam realmente eficazes. Eles fizeram uma escolha séria pela paz. Quando vejo os jovens, eu vejo a esperança. Meu augúrio é de que eles não desanimem, mesmo estando cientes de que não é fácil de mudar as coisas corretamente. Mas não há razões para desistir. Cada passo dado torna o caminho diante de nós mais fácil. Não devemos olhar para trás , ter orgulho das escolhas feitas e seguir firmes rumo ao objetivo: a unidade da família humana.