Causa nobre, motivação econômica

Empresas dão voz a grupos que antes eram ignorados; com isso, combatem o preconceito, conquistam novos públicos e aumentam suas receitas.

por Airam Lima Jr   publicado às 00:00 de 05/12/2019, modificado às 12:01 de 05/12/2019

Em 2016, o comediante negro Chris Rock, ao atuar como apresentador da festa de entrega do Oscar, fez uma crítica ácida sobre a ausência de indicações de negros para os prêmios principais. “Estou no Oscar da Academia, que é mais conhecido como ‘os prêmios dos brancos’”, disse. “Vocês percebem que, se eles indicassem os apresentadores, eu nem teria este trabalho?”, arrematou.

Três anos depois, o mesmo Oscar traria, entre os indicados a melhor filme, Pantera Negra­, uma produção cujo elenco, em sua grande maioria, era de atores negros. Mas não foi só isso. Green Book, que ganhou o prêmio de melhor filme, aborda o problema do racismo; Yalitza Aparicio, uma indígena que protagonizou Roma, foi indicada para o prêmio de melhor atriz em sua estreia nos cinemas – e o diretor, Alfonso Cuarón, um mexicano, levou o Oscar; Rami Malek recebeu a estatueta de melhor ator por interpretar Freddie Mercury, líder da banda Queen, em Bohemian Rhapsody. E disparou, na hora dos agradecimentos: “Fizemos um filme sobre um homem gay e imigrante que viveu sua vida sem pedir desculpas. E seu sucesso é a prova de que as pessoas querem ver isso”.

Cervejas mudam suas mulheres

Hoje, cada vez mais empresas, sobretudo as grandes, adotam os discursos progressistas, de inclusão das chamadas minorias, que sempre foram marginalizadas. E isso não acontece só lá fora. “A nossa sociedade, desde 2013, vem impondo uma mudança bastante acentuada em termos de valores” – explica a publicitária e consultora em comunicação Nádia Rebouças – “e a diversidade ganhou uma dimensão muito grande, sobretudo com as mulheres, os negros e os homossexuais”.

A valorização de uma minoria leva à derrubada de estereótipos, muitas vezes preconceituosos, que sempre predominaram na sociedade. Um belo exemplo é a mudança radical nos anúncios de cerveja veiculados no Brasil. O protagonismo das mulheres de corpo escultural e quase nuas, numa abordagem essencialmente machista, cede cada vez mais espaço a propagandas que destacam pessoas de vários tipos, chegando, em alguns casos, até a defender o não consumo da bebida – casos que lembram que o consumidor não deve beber cerveja antes de dirigir.

Pressão vem da ONU e do público

Existe, sim, uma pressão internacional para as empresas adotarem abordagens mais inclusivas e menos preconceituosas. “Isso vem desde a Organização das Nações Unidas (ONU), com seus Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODSs)”, explica a jornalista e especialista em reputação corporativa Tatiana Maia Lins. Um dos ODSs aprovados pelos países-membros da ONU trata especificamente do empoderamento feminino (o de número 5), e outro, o de número 10, propõe explicitamente, “até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra”.

Mas o que faz, de fato, uma empresa abandonar uma abordagem limitada para assumir uma inclusiva é um tipo de pressão muito mais forte na vida de qualquer organização: a econômica. “Empresa não é altruísta. Nunca”, opina Nádia. “Ela quer vender, então necessita ter a fidelidade do público que a escolheu.” Para conhecer seu público, explica a consultora, a corporação faz pesquisas. “A empresa fica sabendo o que as pessoas pensam. E faz a conta: devo atender isso ou aquilo? E escolhe o público dela.”

Governos também fazem contas

A conta é simples. As empresas dificilmente conseguem ignorar os novos públicos, porque eles significam novos consumidores, o que é igual a novas receitas. Os fabricantes de cerveja, por exemplo, perceberam que as mulheres têm um poder aquisitivo crescente e já respondem por mais de 40% do volume do capital investido na bebida, segundo o coletivo feminista Dandara, do curso de Direito da Universidade de São Paulo.

Os governos também fazem a conta. Um estudo realizado em 2018, a pedido de um aplicativo de relacionamento gay, revelou que pessoas da comunidade LGBT em todo o mundo costumam gastar em torno de US$ 5 trilhões por ano. Dados de um estudo do Fórum de Turismo LGBT apontam que a parada gay de São Paulo injetou, naquele ano, R$ 190 milhões na economia da cidade no ano passado. “Esse desfile teve uma quantidade de patrocinadores imensa”, destaca Nádia.

Se o mundo está valorizando grupos que antigamente eram marginalizados (e as empresas estão de olho nisso), outras comunidades ainda estão à espera de serem descobertas. “Indígenas não aparecem nas propagandas”, aponta Tatiana, “nem os nordestinos fora do Nordeste”. Em um mundo regido pelo dinheiro, pessoas precisam ser consumidoras, primeiro, para serem valorizadas como pessoas.

Airam Lima Jr. 

*Matéria publicada originalmente na Revista Cidade Nova em Junho de 2019