Saúde / Comportamento
  

Exercício de superação

ESPORTE A corrida mantém-se popular entre os brasileiros, mesmo depois da pandemia de Covid-19. Bem-estar físico e emocional e relações de amizade estão entre os principais benefícios dessa prática esportiva que atrai pessoas de diferentes idades, biotipos corporais, formação e condição social

por Luís Henrique Marques   publicado às 00:00 de 26/09/2023, modificado às 10:58 de 26/09/2023

EM MARÇO de 2021, a Federação Paulista de Atletismo (FPA) divulgou os resultados de uma pesquisa segundo a qual, ao longo do período de 2010 a 2019, houve um aumento de 71% no número de corridas de rua no estado de São Paulo. Foram 3.691 provas, informou o Relatório Oficial de Corrida de Rua no Estado de São Paulo, cujos dados foram obtidos pelo Departamento de Corrida de Rua da FPA. Com o advento da pandemia de Covid-19 e a imposição do isolamento social, houve um natural decréscimo dessa porcentagem. Agora, com o fim da pandemia, os atletas profissionais e amadores voltaram, literalmente, a ganhar as ruas das principais cidades do estado, a exemplo do que acontece em outras regiões do país. Na capital paulista, a tradicional prova de São Silvestre, realizada anualmente no dia 31 de dezembro, segue sendo a mais popular, chegando a reunir até 35 mil atletas, entre profissionais e amadores.

Certamente, uma das razões para o aumento na preferência por essa prática esportiva no nosso país tem a ver com o seu baixo custo, diferentemente do que acontece com outras modalidades esportivas cujos gastos com equipamento costumam ser muito altos para grande parte dos brasileiros. Porém, para quem pratica, há muitas e boas razões para escolher a corrida. A primeira delas é contribuir para a boa qualidade de vida. 

Roberto Rigo Fortes tem 72 anos, mora na capital paulista, é engenheiro aposentado e pratica a corrida com regularidade desde os 55. Ele já correu 10 maratonas e participou de várias outras competições menores no Brasil e no exterior. “O primeiro aspecto é sentir-se fortalecido fisicamente”, afirma Fortes. Ele diz também que aprendeu a administrar a relação com a dor, a superar as dificuldades e os próprios limites. Ele dá um testemunho contundente: após ter se acidentado em uma corrida realizada em 2022, o que lhe rendeu 5 costelas quebradas do lado esquerdo, Fortes teve uma excepcional recuperação: depois de dois meses não sentiu mais nenhuma dor. Mas ele é categórico: a diferença de uma boa prática começa com a devida assessoria técnica profissional.

O professor de Educação Física e treinador Marcos Antônio Pinto concorda com a opinião do atleta. Ele afirma que a busca por uma boa condição de saúde e consequente qualidade de vida é o que mais motiva a procura pela prática da corrida. Para o professor, que foi corredor profissional por 30 anos e há 40 mantém a própria empresa de assessoria esportiva em São Paulo, a Marcorrer (segundo ele, a mais antiga do Brasil), esse interesse teve um boom no início da década de 1980. A razão para isso teria raízes dez anos antes, quando o norte-americano Kenneth Cooper publicou o livro Aerobics: program for total well-bing (em tradução livre, Aeróbica: programa para bem-estar total), cujo método de treinamento acessível às pessoas em geral causou uma verdadeira “febre” ao redor do mundo. Marcos Pinto era ainda estudante universitário quando conheceu esse método e, a pedido de amigos, começou a dar treinamento nessa área. 

VOCAÇÃO PARA CRIAR AMIZADES

A também atleta amadora Adriana Ortiz de Oliveira, 50 anos, escrivã de polícia e aluna de Marcos Pinto, confirma que a orientação técnica é fundamental para o bom desempenho na corrida. Seguindo uma planilha própria para cada atleta, por meio da qual são determinados, por exemplo, tipo e volume de treino, o atleta tende a obter bons resultados. “Comigo tem dado muito certo”, atesta Oliveira, que integra a equipe do professor Marcos Pinto desde 2018, embora já praticasse a corrida sozinha antes.

Adriana Oliveira vai mais além: essa experiência foi muito importante para ela em alguns momentos especialmente difíceis da sua vida. O primeiro foi quando terminou um relacionamento de namoro que tinha se desgastado com o tempo, e o segundo foi a perda da mãe (Angélica Ortiz), em 2020.

“Ela era uma grande incentivadora de que eu participasse das corridas”, conta a atleta que, por ocasião da produção desta matéria, estava às vésperas de correr a sua primeira maratona, cuja conclusão ela desejava dedicar à sua mãe. Nos dois casos, a corrida a ajudou muito a superar esses momentos de crise. Para ela, correr é um exercício de disciplina e superação, de valorização da autoestima. “Participar da equipe também me ajudou a superar a timidez”, completa.

Ainda antes de contatar uma assessoria esportiva, o interessado em começar a prática da corrida precisa se consultar com um cardiologista e se submeter a exames médicos para saber o seu real estado de saúde. Isso vai determinar se a pessoa pode correr e que cuidados ela precisará tomar para evoluir na prática sem correr riscos de saúde. Feito isso, tudo começa com a caminhada, explica o professor Marcos. Depois, aos poucos, o atleta começa a correr, conforme a planilha de treino que foi estabelecida para ele. 

Certos detalhes não devem ser subestimados, como o tipo de tênis e as roupas apropriadas para esse tipo de esporte, salienta o também professor de Educação Física, Aparecido Ismério, 67 anos, de Palmas. Aposentado, ele também foi atleta profissional pela Associação Paulista de Atletismo nas modalidades de fundo, meio fundo e marcha atlética. Vivendo atualmente em Tocantins, Ismério não deixou de praticar o esporte, embora o faça hoje apenas para manter a saúde estável. Mas ali, por causa das altas temperaturas, precisa madrugar e evitar o calor intenso para poder se exercitar. Para quem foi atleta profissional, a perspectiva sobre os desafios que o esporte apresenta são outras.

“O caminho de um atleta de ponta é tortuoso, cansativo e exige muito de sua saúde e do ponto de vista social, familiar e emocional”, argumenta Ismério.

Porém, para quem não deseja tornar-se profissional na área, a corrida segue acumulando benefícios que justificam todo o esforço de superação. Além daqueles já citados ao longo desta matéria, o treinador Marcos Pinto faz questão de apontar mais um: “Não há distinção entre os corredores; todos são tratados e se tratam como iguais”.

De fato, os entrevistados para esta reportagem colecionam uma série de histórias e relatos de pequenos gestos que atestam a vocação da corrida para reunir pessoas de perfis muito diferentes em termos de idade, formação, biotipo corporal e condição social.

Trata-se de uma reunião capaz de promover relações democráticas e, mais ainda, cultivar relacionamentos. “É uma experiência prazerosa, de encontro com as pessoas”, define Roberto Fortes.

“Gosto muito do grupo porque nunca tive amizades como as que encontrei ali: as pessoas são totalmente desinteressadas, preocupam-se apenas com o bem-estar, a superação e evolução de cada um”, completa Adriana Oliveira.

Por Luís Henrique Marques

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