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Professores em início de carreira relatam desafios

Pesquisa indica que quase 90% dos professores brasileiros acreditam que a profissão não é valorizada na sociedade. Mesmo assim, a maioria (87%) sente-se realizada com o trabalho

por Mariana Tokarnia* - Agência Brasil   publicado às 09:54 de 15/10/2014

Entrar em sala de aula com crianças e adolescentes e um currículo para cumprir é uma atividade repleta de prazer e também de desafios. No Dia do Professor, comemorado hoje (15), docentes que estão há pouco tempo na sala de aula conversaram com a Agência Brasil sobre o dia a dia em escolas públicas e particulares, as dificuldades com estrutura, materiais didáticos e em prender a atenção dos alunos. Eles falaram também sobre a importância do diálogo e do respeito entre professores e estudantes. Apesar das dificuldades, lecionar é um sonho realizado para muitos deles.

Pesquisa indica que quase 90% dos professores brasileiros acreditam que a profissão não é valorizada na sociedade. Mesmo assim, a maioria (87%) sente-se realizada com o trabalho. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis), da Organização para a Cooperação (OCDE), divulgada neste ano, mostrou que são muitos os desafios a serem vencidos pelos professores do ensino básico. Quase 90% dos professores brasileiros acreditam que a profissão não é valorizada na sociedade. Mesmo assim, a maioria (87%) sente-se realizada com o trabalho. Também, segundo a pesquisa, 20% do tempo em sala de aula são usados para controlar o comportamento dos alunos. 

Motivação: transformar a realidade

O desejo de transmitir conhecimento e a possibilidade de transformar a realidade de jovens por meio da educação são alguns dos fatores que incentivam a atuação de duas jovens professoras recém-chegadas às salas de aula. Elas já conhecem os desafios da profissão, mas continuam certas de que fizeram a escolha correta.

Filha de professores, Agnes Serrano, 23 anos, tinha ideia dos desafios a serem enfrentados na profissão, mas não teve dúvidas quando decidiu ser professora. Há quatro meses, elá dá aulas de geografia em uma escola pública de Ceilândia, cidade do Distrito Federal próxima a Brasília, para alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental.

“Sempre ouvi dizer que dar aula era um desafio, mas era prazeroso. Só fui entender agora que dar aula é difícil porque você tem que lidar com realidades muito complicadas do ponto de vista social”, conta Agnes.

O sentimento de que é possível mudar para melhor a realidade dos estudantes é um incentivo para a professora. “A gente se percebe como agente que pode modificar a realidade dos estudantes, incentivando os meninos a seguir em frente, dar prosseguimento aos estudos. Sabemos que é só o estudo que vai mudar essa realidade em que vivem. Temos muitos estudantes que percebem a dificuldade da realidade social deles e querem mudar”, disse.

“Sabemos que é só o estudo que vai mudar essa realidade em que vivem. Temos muitos estudantes que percebem a dificuldade da realidade social deles e querem mudar", afirma Agnes

Na avaliação de Agnes, o professor não chega à sala de aula com o preparo necessário para enfrentar o dia a dia da profissão. Segundo ela, o curso superior oferece uma boa formação teórica, mas falta a prática.

“Acho que a universidade e a educação básica não são próximas e é na educação básica que os alunos são preparados também para entrar no curso superior”. E completa: “Quando entramos em contato com o público com o qual vamos trabalhar, já estamos no fim do curso. Então, acho que a preparação é muito deficiente".

Em poucas palavras, a professora de geografia resume o que tem sido a experiência desses quatro meses de magistério. “Não imaginei que eu fosse gostar tanto de dar aula. Está sendo muito bom. Tenho a expectativa de devolver à sociedade tudo que aprendi”, diz Agnes, que sempre estudou em instituição pública de ensino.

A professora de espanhol Maria Eduarda Andrade, 23 anos, lecionou por seis meses em escola particular e, desde setembro, dá aulas no Centro de Ensino Médio 01 do Gama, no Distrito Federal. Ainda criança, ela brincava de ser professora e hoje o que era brincadeira se tornou realidade.

Maria Eduarda relata que, como professora de espanhol, tem encontrado prós e contra na atividade. “Espanhol é para alunos de ensino médio e não é uma matéria que reprova, aí você se depara com alunos que não dão a mínima importância para a matéria. Fiquei chocada com algumas coisas que ouvi”, lembra.

Esse susto inicial, no entanto, é compensado pelo retorno positivo de alunos interessados em aprender. “Estou adorando dar aula. Ao mesmo tempo, há os que fazem questão da aula e isso compensa os que não querem nada”.

Ela conta que busca tornar as aulas mais dinâmicas, interagir com os alunos e não se apegar tanto ao livro didático para tornar o aprendizado mais interessante. O uso da tecnologia em sala de aula é citado como meio para prender a atenção dos jovens, mas observa que isso pode ter também um lado negativo. “Muitos estudantes não sabem usar a tecnologia a favor deles e querem bater uma foto do conteúdo que está no quadro em vez de copiar para fixar a matéria”, acrescenta.

Diálogo

O diálogo é o segredo para uma boa relação com os alunos, de acordo com a professora de biologia Amanda Rodrigues e o professor de educação física Rafael Duarte, que começaram a dar aulas neste ano, ambos no ensino fundamental. 

“Posso estar sendo romântica, mas acho que ter carinho, se dedicar à profissão é ser um bom professor. E ser professor está muito além de chegar ali para escrever na lousa. É saber identificar se está tudo bem, até que ponto posso ir, ter um olhar diferenciado tanto para cada turma quanto para cada um”, diz Amanda.

Ela tem 24 anos, “com cara de 21”, como descreve. Desde março deste ano leciona biologia para alunos do 6º ao 9ª ano do Colégio do Sol, escola particular no Lago Norte, em Brasília. "Sou muito aberta, os alunos vêm conversar sobre a aula, sobre sexualidade”. A professora diz que se dedica à escola praticamente de segunda a segunda. “Sempre estou lendo, buscando coisas novas para levar a eles, procuro não ficar presa ao livro”, conta Amanda.

"Ser professor está muito além de chegar ali para escrever na lousa. É saber identificar se está tudo bem, até que ponto posso ir, ter um olhar diferenciado tanto para cada turma quanto para cada um", diz Amanda

Com 23 anos, Rafael Duarte está na sala de aula há três meses, no 7º ano do Centro de Ensino Fundamental 03 do Gama, escola pública do Distrito Federal. “Dar aula é bem diferente do que se aprende na universidade, é mais pesado e mais difícil. A universidade não te prepara para a realidade que encontra em sala de aula”, diz. O professor busca, por meio de aulas práticas e teóricas, unir esporte com princípios como respeito e companheirismo.

Rafael, que trabalha com jovens da faixa etária de 12 a 14 anos, acredita que para uma boa aula é preciso diálogo, “e o diálogo tem que estar inserido na realidade deles. Se vamos trabalhar dança, por exemplo, tenho que buscar as músicas que eles escutam”. É também preciso ter jogo de cintura, nem sempre o que funciona em uma turma funciona na outra, acrescenta.

Na escola, os dois professores esbarraram em dificuldades que vão além da relação com os estudantes. Segundo Amanda, o currículo obrigatório restringe a criatividade e até mesmo o tempo. “Há muita coisa que desestimula. A educação é muito quadradinha”, diz. “Os professores têm muita coisa para cumprir”, observa. Ela tenta sair um pouco da rotina e, se está chato, tenta chamar a atenção dos estudantes. “Talvez por ser início de carreira”, pondera.

Rafael, que para a prática esportiva precisa de quadra, bola e outros materiais, esbarrou na falta de estrutura, coisa que não viveu no estágio. Além disso, tem o desafio de lidar com alunos munidos de smartphones e outras tecnologias. “É preciso saber usar essa tecnologia para aproximar o aluno de forma educativa”, comenta.

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