Espiritualidade / Mov. Focolare
  

Meu encontro com Jesus que vive na periferia

Uma experiência transformadora de uma jovem estudante de medicina, realizada através do Projeto Milonga.

por Julia Guedes   publicado às 11:00 de 30/01/2024

No ano de 2023, por meio do Milonga, um projeto que promove trabalho voluntário em organizações sociais ao redor de todo o mundo, vivi uma experiência que me transformou profundamente e me permitiu participar de um caminho de construção de um mundo unido, o que será celebrado em um grande evento que acontecerá em julho de 2024: o Genfest.

Sou estudante de medicina e, durante as minhas férias da faculdade, me lancei na aventura de passar 40 dias vivendo uma experiência de voluntariado na Baixada Fluminense, uma região do estado do Rio de Janeiro onde a pobreza, a violência e a criminalidade são bastante comuns. Nesse lugar, existe uma instituição chamada Casa do Menor São Miguel Arcanjo, fundada por um padre que resolveu doar sua vida para promover a unidade nesse ambiente que, para muitos, é hostil. Foi essa organização que me proporcionou experiências especiais, profundas e desafiadoras de encontro com as dores da humanidade.

Eu me sentia no auge da minha juventude e, por isso, senti que Deus me pedia para dar o passo de aproveitar o meu tempo e a minha disposição para ir ao encontro do outro, especialmente daqueles que mais sofrem em função de situações inusitadas e até então invisíveis para mim. Chegando lá, fui surpreendida. Jesus se apresentava para mim de uma forma completamente nova. Eu o enxergava em rostos desfigurados pelas drogas, em adolescentes e adultos corrompidos pelo crime e sedentos por recomeço, em crianças feridas pelo abandono e em famílias desestruturadas.

Em todas essas versões, Ele me pedia para ser amado. Busquei, então, corresponder ao seu pedido e me lancei na experiência de me esforçar para amar sem julgamentos e sem esperar nada em troca; amar porque, por mais que não compreendamos, todo e qualquer ser humano é digno de ser amado e só uma experiência profunda com o Amor é capaz de mudar aquela realidade.

Durante esse tempo, pude conhecer realidades muito diversas. Dentre elas, uma refere-se aos projetos de desenvolvimento comunitário, como o da Vila Cláudia, realizado em um lugar que vive sob tiroteios devido a conflitos relacionados ao tráfico de drogas. Nesse projeto, crianças e adolescentes vão no contraturno escolar para terem acesso a atividades multidisciplinares, artísticas e esportivas, bem como à alimentação. Mas, muito mais do que isso, as crianças são ensinadas a viver a Arte de Amar proposta por Chiara Lubich e a realizar a cultura de unidade e respeito ao próximo. Em um lugar em que a violência tende a ser algo tão natural, viver no amor é algo revolucionário. E as crianças de lá vivem isso com maestria! Meu papel era somente construir relacionamentos e ajudar nas necessidades que iam surgindo a cada momento presente. Em troca, eu recebia muito amor e abraços constantes de gratidão que davam sentido a toda a minha experiência!

Além disso, a Casa do Menor também possui casas que abrigam bebês e adolescentes, chamadas de Herbalife e Reviver, respectivamente. Os menores costumam ser acolhidos quando estão em situação de vulnerabilidade familiar em razão de maus tratos, pais envolvidos com tráfico ou dependentes químicos, abandono e outras questões. Os maiores, por sua vez, são abrigados devido a situações de negligência familiar ou envolvimento próprio com drogas e/ou tráfico. Em ambas as casas, eu me fazia presente somente para ser uma companhia e para buscar ser a presença, a atenção e o cuidado que muitos deles não tinham na sua própria família.

Costumo dizer que, hoje em dia, eu não consigo mais colocar aqueles jovens em uma estatística. Eu sinto que eles se tornaram meus verdadeiros amigos: na mesma medida em que eu me esforçava para amá-los, eu também me sentia amada por eles. A dinâmica de amor recíproco era muito forte e, mesmo que nós tenhamos realidades de vida diferentes, em nada eu era melhor ou mais capaz de amar do que eles. Dessa experiência, surgiram alguns frutos, mas um especialmente foi muito importante para mim: um dos adolescentes sentiu que queria ser batizado e me convidou para ser sua madrinha. Então, três meses depois, tive a oportunidade de voltar à Casa do Menor para batizá-lo. Para mim, aquele batismo foi a materialização da misericórdia de Deus que abraça toda a humanidade e não tira de ninguém a oportunidade de recomeçar. Entendi que aquele sacramento construía o mundo unido tanto na terra quanto no céu. O sentimento de gratidão por viver essa experiência era incondicional!

Por meio da Casa do Menor e do padre Renato Chiera, também tive a oportunidade de ir ao encontro do outro em realidades antes inimagináveis. Participei da abordagem para dar comida a moradores de rua, visitei a Cracolândia do Rio de Janeiro e conheci a favela do Complexo do Alemão. Foi muito forte ver que, por meio de quem se coloca nessa disposição, a Luz visita realidades obscuras e Deus, inexplicavelmente, busca morar no meio de situações de dor e sofrimento e lhes devolve. Isso exige a nossa disposição e coragem, a esperança e a crença no Amor.

Sinto que esses dias vivendo na Baixada Fluminense me mostraram que a maior escravidão é viver uma vida individualista e fechada no próprio mundo, em que o outro não é importante e a beleza de cada coração humano não busca ser descoberta. Desde então, busco viver, na minha realidade, uma vida com mais esforço para amar, pois conheci o efeito de cada ato de amor na realização do mundo unido que eu busco construir. Obrigada, Genfest e Casa do Menor, por me impulsionar a viver nessa dinâmica que dá sentido à minha vida!

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