Espiritualidade / Tecnologia
  

Fracassar pode ser bom

O que a Inteligência Artificial, o Chat GPT e a experiência de Jesus Abandonado têm em comum? Confira na crônica de Gustavo Monteiro

por Gustavo Monteiro   publicado às 00:00 de 24/04/2023, modificado às 21:44 de 24/04/2023

Quando a fotografia foi inventada, a pintura clássica, aparentemente, fracassou. Até que os pintores perceberam que o fardo de representar fielmente a realidade já não era atribuição deles, e a pintura conheceu experimentações várias. Os artistas puderam sonhar, desenvolver estilos completamente novos, completamente seus. Cabe agora, a quem contempla, a oportunidade livre de apreciar ou não aquela obra. E tem para todo gosto: de paisagens realistas a formas abstratas e relógios derretidos.

Quando a televisão foi inventada, pelo menos três mortes foram decretadas: a do rádio, a do livro, a das conversas depois do jantar. Com maior ou menor fôlego, às vezes em diferentes plataformas, tanto o rádio, quanto o livro e as conversas continuaram.

Quando a Open AI, empresa de Inteligência Artificial, lançou uma plataforma capaz de escrever textos muito bem fundamentados, cruzando o enorme banco de dados de informações contidas na internet no final de 2022, os jornalistas, escritores, professores, e os demais profissionais da palavra, aparentemente, fracassaram. Eu, por exemplo, me preparava para começar uma pós-graduação em “Formação de Escritores”. Alguém poderia pensar: para que formar-se em técnicas de escrita se um programa pode, muito bem, escrever por todos nós?

Um programa pode escrever com êxito, mas dificilmente pode fracassar. E, nesse sentido, o seu êxito não pode ser considerado um sucesso, porque a máquina desempenha apenas aquilo a que ela, com determinados critérios feitos por seres humanos, foi designada a fazer. Só quem erra pode acertar, e a possibilidade de fracassar ainda é nossa. Mas o brinde, o frio na barriga pelo eventual sucesso, também.

,errar uma pontuação propositalmente, criar um neologismo, testar padrões de escrita sempre novos, inventar-se e reinventar-se por meio de uma combinação humana de palavras. É um horizonte que se abre. Um respiro depois do fôlego contido. Um começo depois do fracasso.

Para quem acredita no Deus dos cristãos, a dinâmica fracasso/sucesso ganha ainda uma camada a mais. Jesus, pregado na cruz, aparentemente fracassou. 2023 anos depois daquele acontecimento, o seu nome está em um texto sobre inteligência artificial e se isso não é uma forma de sucesso, não sei o que poderia ser.

O fracasso que nasce da consciência da própria incapacidade, nesse caso, nos abre para o relacionamento com os outros e, para quem acredita, é uma porta de acesso a um relacionamento pessoal e íntimo com o Deus dos fracassados. Antes de qualquer milagre ou solução, Ele nos oferece uma companhia. Está sozinho somente quem quer. Onde não consigo chegar, chega alguém que está ao meu lado, chega Ele em meio a nós.

O fracasso pode ser bonito, pode ser libertador, pode ser uma nova estrada que se abre feita para ser trilhada de braços dados (ou não).