Era só o que faltava!

Garimpeiros foram à Nova Serra Pelada atraídos por imagens de pepitas. Foto: Gilmar de Souza/ Ascom/ Fotos Públicas

As notícias sobre a “Nova Serra Pelada” invadiram os noticiários há algumas semanas, após o início das operações de desocupação do garimpo. E, pelas fotos, mais parece Serra Pelada mesmo, após sete mil pessoas terem chegado ao local atraídas por imagens de pepitas de ouro que circularam pela internet (atualmente, mil pessoas permanecem no local). Além de ilegal, o garimpo entre as serras da Borda e Santa Bárbara, a 483 km de Cuiabá, está concentrado em uma Área de Preservação Permanente (APP).

Segundo a legislação (Art. 3o da Lei nº 12.651/12 - Novo Código Florestal), uma APP é uma “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Em resumo, uma APP é importante para proteger as matas ciliares (que margeiam os rios), a fauna e o solo, especialmente em locais de recarga de lençol freático e nascentes.

Na verdade, para além dos danos ambientais causados pelo garimpo, o maior problema, segundo alertou a secretária estadual de Meio Ambiente, é a contaminação da água na rede de abastecimento da cidade de Pontes e Lacerda, já que alguns garimpeiros têm levado a terra das jazidas para lavagem em suas casas. Vale lembrar que neste processo é utilizado mercúrio, em sua forma líquida, que auxilia no processo de separação do ouro.

E o problema não para por aí. Há vários córregos que cortam a Serra da Borba e que podem sofrer com a interferência humana e o revolvimento dos sedimentos. A interferência pode acontecer não só localmente, mas em toda a extensão dos rios do ponto de extração para baixo, por exemplo. Isso também afeta socialmente as comunidades do entorno ou que dependem da fauna e flora. Assim, a vida das famílias que vivem da pesca e que estão em pontos mais baixos do que onde acontece a extração podem ver a fonte de sua subsistência desaparecer.

E por falar em Serra Pelada, no começo de outubro os garimpeiros da cooperativa de mineração de Serra Pelada (Coomigasp) aprovaram por unanimidade a assinatura da pesquisa e futura exploração da montoeira (pilhas de terra em volta do antigo garimpo) por um trio de investidores japoneses sócios da Mineração Yamato do Brasil (Miyabras). Entre eles está um antigo conhecido do Brasil, Akio Miyake, que, nos anos 80, esteve à frente da proposta de trocar o ouro da Amazônia pelo perdão da dívida externa brasileira.

O antigo garimpo de Serra Pelada tinha 180 metros de profundidade e foi cavado à mão pelos garimpeiros nos anos 1980; em 1992 ele foi fechado por falta de segurança

Pela proposta, os japoneses ficam com 49% do ouro e outros minérios encontrados e a Coomigasp fica com os 51% restantes. O próximo passo será a criação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Desde 2010 a Coomigasp tenta negociar a exploração do rejeito, que, segundo os investidores japoneses, contém 23 toneladas de minérios, incluindo ouro. Isso após o fim dos trabalhos da empresa canadense Colossus Minerals Inc., que detinha os direitos da lavra mecanizada no garimpo até abrir falência e encerrar as atividades na área, em 2014.

Para os 40 mil garimpeiros da cooperativa, que já enfrentaram vários problemas com a concessão, a medida seria benéfica. A proposta dos investidores é criar o Banco Ambiental de Serra Pelada, uma cooperativa de crédito para financiar a recuperação de áreas degradadas pelo uso do mercúrio no processo de coleta de ouro. O problema, antes de mais nada, é ver se a proposta vai sair do papel ou vai se tornar tão absurda quanto a proposta japonesa de trocar a dívida brasileira pela Amazônia.

Além disso, como bem afirmou o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Bruno Milanez, autor do estudo O Novo Código da Mineração: convergências e divergências, em entrevista concedida ao portal IHU, “nossa sociedade precisa de minérios, mas uma condição para aproximar a extração mineral de algo que possa ser chamado de ‘desenvolvimento sustentável’ é repensar a escala, os métodos e os ritmos de extração, assim como o uso e o desperdício desses recursos”. Fica a dica à população, que é quem mais tem o direito e dever de cobrar atitudes sustentáveis de políticos, empresários e do colega ao lado.

 
Tags:

extração, mineração, serra pelada, garimpo, código da mineração



Sobre

Estamos em processo de adaptação ao planeta Terra e ainda precisamos aprender a conviver e cuidar dele da mesma forma que cuidamos de uma criança ou um idoso. Ele é um sistema vivo, no qual todas as partes interagem, inclusive conosco. E o cuidado é essencial, mais do que a razão e a vontade. Mas para cuidar é preciso conhecer. Por isso, este blog se propõe dialogar sobre meio ambiente, destacando fatos importantes para quem quer ambientar-se ainda mais com a nossa casa.

Autores

Ana Carolina Wolfe

Formada em jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), é repórter de Cidade Nova desde 2011. Começou a se interessar por meio ambiente em 2002. Desde então, se apaixonou pela “tradução” de temas ambientais ao público. Hoje, além de Cidade Nova, atua como assessora de imprensa em um centro de pesquisa voltado ao agronegócio e como diretora na ONG Florespi.