Tempos da vida

Esta reflexão tem como finalidade lembrar aos pais e aos educadores o que parece óbvio, mas, infelizmente não é: brincar é um direito da criança! Nas brincadeiras, a criança fantasia, sonha, aceita desafios e se desenvolve. Portanto, brincar é coisa séria e não mero passatempo.

Crianças e adolescentes participam de aulas do projeto Arte Consciente, em Salvador. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O tempo da infância é um tempo essencial que irá influenciar de forma decisiva os outros tempos da vida... Nesse sentido o saber de conteúdo lúdico, envolvendo jogos, brincadeiras, fantasias e faz-de-conta, é fundamental, pois estimula as competências sociais e comportamentais. Nessa fase do desenvolvimento infantil, isso é mais importante do que o saber de conteúdo estruturado, envolvendo conceitos formais.

Na tentativa de acelerar a aprendizagem, pais, educadores e a sociedade têm feito um pacto sinistro que aniquila a infância.

A noção de infância, atualmente, é parte constante do debate e dos questionamentos das políticas públicas, mas, historicamente, não foi sempre assim. Embora seja salutar colocar em evidência a discussão sobre a infância, não se pode deixar de lutar, permanentemente, pela efetiva conquista e materialização dos seus direitos.

Sob uma perspectiva adulta, tendo a criança como objeto de estudo, muitos foram (e ainda são) os discursos, as práticas e as ideias sobre a criança que desconsideram as especificidades desse tempo-fonte.

A Declaração dos Direitos da Criança no seu 2º princípio traz o seguinte enunciado: “A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e deve ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. As leis devem levar em conta os melhores interesses da criança”.

Esse princípio apresenta um verdadeiro projeto educativo porque evidencia os traços essenciais da formação de nossas crianças no sentido mais amplo e generoso que esse termo possui. A formação exige compreensão, a formação exige proteção, a formação exige oportunidades, a formação exige condições para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, a formação exige ambiente saudável, a formação exige normalidade, a formação exige condições de liberdade e dignidade. A formação deve levar em conta os melhores interesses da criança.

Para assegurar a formação de sujeitos éticos e o desenvolvimento de todos os aspectos – físico, mental, moral, espiritual e social – que a Declaração dos Direitos da Criança aponta é necessário amalgamar à sensibilidade do coração e da afetividade e não roubar das crianças esse tempo-fonte em nome de uma razão instrumental, pragmática e utilitarista. Essas dimensões, a seu tempo, cada criança terá acesso. Mas a simplicidade, a razão cordial, a fraternidade e a fantasia criadora ou se instaura na infância ou, lamentavelmente, estaremos comprometendo a experiência de base que nos faz verdadeiramente humanos.

Que esta reflexão seja estímulo para pensar em três coisas fundamentais do processo educativo: a) brincar é um direito das crianças; b) a infância é tempo-fonte de todas as possibilidades e c) a experiência, nos dizeres do pesquisador espanhol Jorge Larrosa, é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca e nos marca para sempre. E, como sabemos, educação é um complexo processo de transformar indivíduos em sujeitos de determinada cultura, possibilitando assim, que possamos compartilhar sentidos e significados sobre modos de viver. Brincar... Tempo-fonte... Experiência... Matérias-primas de uma vida plenamente humana.

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social, políticas públicas, lúdico, desenvolvimento infantil, moral, espiritual, personalidade, Fraternidade, direitos da criança, sonho, brincar, fantasia, físico



Sobre

Para além de discursos politicamente corretos, mas destituídos de densidade humana, queremos refletir sobre a Educação, que tem, fundamentalmente, como tarefa primeira, instituir a humanidade de cada um de nós. Que este blog seja um espaço de reflexão que potencialize nossa utopia: humanizar os saberes e educar os afetos.

Autores

Jaqueline de Moraes Fiorelli

Professora de Português do Colégio Santa Clara-SP, doutora em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). Autora de artigos e material didático voltado ao ensino de Português, publicado pela editora do Sistema Mackenzie de Ensino (2013).

Vanderlei Barbosa

Professor de Filosofia na Universidade Federal de Lavras. Doutor em Educação na área Filosofia, História e Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Autor de vários artigos e do livro "Da Ética da Libertação à Ética do Cuidado". São Paulo: Editora Porto de Ideias, 2009.