É possível ter esperança?

Quando se trabalha numa redação de jornalismo associada ao hardnews, aprendemos a manter um radar interno operante (pessoal e coletivo) para atuar rapidamente (e intensamente, em alguns casos) em situações extraordinárias que rompem o curso rotineiro das notícias. No fundo, torcemos sempre para que o temido Breakingnews nunca surja. Pelo mais simples motivo: em 99% das vezes acabaremos debruçados por tragédias de todo tipo.

Torre Eiffel reabre e é iluminada com cores da bandeira francesa. Foto: Sophie Robichon/Mairie de Paris

É um tipo de operação que, além de desgastante, é cada vez mais improvisada. Com a imposição do ao vivo, dividimos com a audiência (leitor, ouvinte, espectador) a apuração em tempo real. E, como hoje se prioriza cada vez mais a sustentação da transmissão, nem sempre há tempo para formular e entregar informações mais precisas e objetivas. Como numa corda bamba, o jornalista fica ali a narrar algo que nem sempre ele sabe bem o que está narrando. O número de mortes, por exemplo, chega a parecer a dinâmica de um jogo do bingo. Quem vai cantar a pedra mais alta?

Apesar do processo ser penoso, as vezes ruidoso demais, o saldo final costuma ser positivo, já que partimos de um fato com poucas explicações para uma construção narrativa complexa, repleta de personagens, análises e reviravoltas. É a tradução da realidade em seus múltiplos contextos. A grande diferença é que hoje a audiência pode acompanhar e compartilhar de todo esse calvário da reportagem: frágil no princípio e consistente ao final. Jornalistas, em geral, vão sempre lembrar destas grandes coberturas, justamente tomados pela ideia que testemunharam fatos históricos.

Na última sexta-feira, 13, o clima otimista que naturalmente tem uma sexta foi rompido pelas informações desencontradas que chegavam da França. Algo que logo me colocou “borboletas no estômago”, dada a dimensão da barbárie, o tipo de execução escolhido e a ideologia torta que sustentou tudo aquilo – como pode fascinar e atrair tantos jovens? Durante quatro longas horas, ao vivo na Rádio Estadão, acompanhei de perto, como num thriller de suspense, o desenrolar da tragédia. Abri o programa com 18 mortos e encerrei, à meia-noite, com quase 130.

Não sou especialista em política internacional, em Oriente Médio, terrorismo ou Estado Islâmico. Qualquer análise que pudesse empreender nesta seara soaria superficial. Mas o fato em si, naturalmente, nos coloca uma série de reflexões. Como não pensar que vivemos em tempos obscuros? A maneira como morreram essas mais de 120 pessoas é de uma brutalidade sem tamanho. Não eram alvos de guerra, apenas cidadãos em seu livre exercício da liberdade garantida pelas sociedades democráticas. Como isso pode se tornar motivo para um massacre? Qual é o risco para humanidade sermos cada vez mais “livres”?

Massacres, mortes, tragédias são chagas latentes e estão distribuídas em fartura por todos os cantos do planeta. Inclusive do nosso lado, em nossa cidade, na nossa rua. O parâmetro não é a extensão da destruição, mas o valor embutido nela. Pensar que você pode ser morto só pelo simples fato de ser ocidental, urbano, europeu ou norte-americano, é de uma tirania que fica difícil de compreender. O paradoxo chega a ser brutal: enquanto o clima solidário pedia por uma abertura de fronteiras, também foram por elas, em meio a tantos refugiados, que alguns terroristas avançaram e, agora, assombram qualquer lugar com concentração de pessoas.

Ora, então o caminho é retroceder? É se armar e se proteger? Se existe algo a quem sempre se pode recorrer nesses momentos de ausência de sentidos e desesperança, são os valores construídos na fraternidade. São essas as maiores revoluções, que nem sempre a história conta, mas que estão presentes em abundância nas relações. O presidente francês pediu na quinta, 18, que as pessoas retomem sua “vida normal”. Se ela voltará a ser como antes, ainda é muito difícil dizer, mas não tenha dúvidas de que ela ganhou novos significados, mais nobres e verdadeiros.

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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.