Animação brasileira concorre ao Oscar

A 88ª edição do Oscar reservou uma grande notícia para o cinema brasileiro: O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, foi indicado na categoria de Melhor Filme de Animação em longa-metragem. Concorre com AnomalisaDivertidamenteShaun, o carneiro e Quando estou com Marnie.
 
 

Reservado, Alê não estava comunicável nos momentos subsequentes ao anúncio da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, realizado na manhã desta quinta-feira, 14. O diretor não usa celular e estava fora de São Paulo, de férias. Mas usou o Facebook para expressar a alegria pela indicação.

"Nosso filme nasceu como um grito sincero, de liberdade, de amor, um grito político, latino-americano. Mas sobretudo um grito contra o sufoco que a grande indústria cria aos potenciais artísticos, poéticos, e de linguagem da animação. E acho que este grito ecoou onde precisava ecoar. Um momento importante onde filmes de animação mais autorais concorrem ao prêmio maior da indústria de cinema", declarou. "Somos a zebra do ano, com o maior orgulho de ser zebra, e vamos trabalhar forte para trazer o careca dourado para o Brasil! Vitória! Airgela! Viva a animação brasileira!", disse.

Ganhar o Oscar seria a cereja do bolo para um filme que já se acostumou a faturar prêmios. Levou até agora 44, incluindo o Annecy, o mais importante no universo da animação. O Menino e o Mundo retrata a jornada de uma criança em busca pelo pai. Deixa sua casa campestre e isolado para embarcar num mundo desconhecido, muitas vezes vezes sombrio, e urbanizado.

Na época do lançamento, fiz uma crítica para revista Cidade Nova sobre o filme, que veio acompanhada de uma breve entrevista com o rapper Emicida, responsável pela canção original da trilha de O Menino e o Mundo, de nome Aos Olhos de uma Criança. Nada mais justo publicá-la novamente por aqui, como mais uma reverência a este grande filme brasileiro.

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Título Original: O Menino e o Mundo
Direção: Alê Abreu
Produção: Brasil/2014
 
Aos olhos de uma criança
 
A animação brasileira está em festa. Pelo segundo ano consecutivo, um representante do país sai como principal vencedor do festival de Annecy, considerado o “Oscar da animação”. Depois de Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, encantar o júri no ano passado, foi a vez do mais recente trabalho do ilustrador Alê Abreu sair ovacionado do tradicional evento na França. Não é para menos: O Menino e o Mundo é um filme dos grandes. Destes que não se esgotam na primeira assistida. A começar pelo seu esplendor estético, composto segundo os moldes mais artesanais do cinema de animação. Ou seja, desenho. Cada quadro, cada paisagem, cada movimento, é de uma exuberância espantosa. A beleza contido no traço, com ecos de Miró e Kandinsky, estão à serviço de uma história não menos poética e densa: um menino do interior parte para a cidade em busca de seu pai. A via é solitária e lhe apresenta mais percalços do que satisfações. É o olhar da criança que sensibiliza e endurece diante das edificações monumentais, das máquinas ameaçadoras, da infinidade de tipos e pessoas. Uma jornada de amadurecimento, ainda que precoce e abrupta.
Este modelo de animação – acima de tudo, autoral – não é o que costuma vingar no circuito comercial, dominado pelo formato digital em histórias mirabolantes e de perfil “familiar”. O longa do Alê se aproxima mais do que faz, por exemplo, o mestre japonês Hayao Miyazaki, de A Viagem de Chihiro. A dinâmica da narrativa é outra, o que não significa algo entediante ou lento. A catarse é gerada por outros mecanismos, em especial pela força da imagem. No caso de O Menino e o Mundo, a paleta de cores e o tom abstrato provocam esse fascínio imediato. 
É difícil até dizer que seja um filme para crianças, dado grau de sofisticação dos temas. Há um desencanto com esse mundo caótico descoberto pelo menino. Não estamos falando em “happy ending” necessariamente, ainda que Alê procure suavizar o drama do abandono. Existe a supressão da infância idealizada, confrontada no choque com uma realidade “mais cruel”. Mas numa era tomada pela filosofia da superproteção, em que a frustração não é mais tolerada, seria interessante colocar a meninada para embarcar nessa viagem ao desconhecido.

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ENTREVISTA: Emicida
 
Autor da música tema da animação, Aos olhos de uma criança, rapper diz que se identificou com a história apresentada pelo cineasta Alê Abreu.
 
 
Também te impressionou este mundo urbano em falência que é mostrado no filme?
É bem forte o protesto do filme. Quando eu assisti a primeira vez fiquei refletindo se aquilo realmente dialogava com as crianças, se não dialogava mais com a gente que compreendia a força daquela mensagem. Acredito que esboça bem a realidade do planeta.
 
A letra veio rápido?
Veio porque é uma situação muito parecida com a que eu vivi, de um garoto sozinho no mundo. Eu refleti sobre a quantidade de informação que uma criança recebe no mundo como o nosso. 
 
Essa música entra no seu show?
Entra tranquilamente. Não tem complicação nenhuma de colocá-la no palco, é muito próxima do meu repertório. E meu público se identificou muito com ela e também ficou afim de assistir ao filme. Isso é bacana, porque ganha em intensidade quando ouvida junto com a animação. 
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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.