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Clima de confronto político é exacerbado no Haiti, diz general da Minustah

Segundo Ajax Porto Pinheiro, o adiamento do segundo turno das eleições trouxe mais tensão ao país, pois estimulou protestos tanto da situação quanto da oposição

por Marcelo Brandão – Agência Brasil   publicado às 09:58 de 29/01/2016, modificado às 09:58 de 29/01/2016

O Haiti enfrenta um momento politicamente delicado. O atual presidente, Michel Martelly, já disse que deixará o poder no dia 7 de fevereiro. A esta altura, o haitiano já deveria conhecer seu sucessor, mas uma série de manifestações e de acusações de fraude no primeiro turno das eleições provocou o adiamento do segundo turno por duas vezes.

General brasileiro Ajax Porto Pinheiro (ao centro), comandante da Minustah no Haiti, passa orientações para a tropa. Foto: Arquivo pessoal

As manifestações, convocadas pela oposição, exigiam também a renúncia dos membros do Conselho – organismo que, segundo os oposicionistas, favorece o candidato oficial. Cinco de seus nove integrantes já renunciaram. Um sexto membro foi suspenso sob acusação de corrupção.

Em meio a essas divergências políticas, as forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), conhecidas como Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), tentam manter a ordem, auxiliando as autoridades locais. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro, comandante da Minustah desde outubro do ano passado, descreveu o turbulento cenário que vê nas ruas e na política haitiana.

“As manifestações políticas aqui são violentas, sempre foram. Para virar um conflito maior, é muito rápido. E no Haiti tudo pode mudar a qualquer hora”, explicou o comandante. Segundo ele, o adiamento do segundo turno das eleições, apesar de ser da vontade da oposição, trouxe mais tensão ao país. Em vez de conviver apenas com manifestações da oposição, o país enfrenta agora protestos contrários e favoráveis ao governo.

Agência Brasil - Como está o clima no Haiti neste período de crise política e eleitoral?
Ajax Porto Pinheiro - O clima de confrontação política no país é muito exacerbado. Eles não têm chegado a um acordo, as negociações estão em andamento. A oposição não queria que houvesse eleição, porque alega ter havido fraude. Nós da comunidade internacional achamos que a eleição de 25 de outubro foi normal. Mas hoje o clima de confrontação política é muito intenso e isso se reflete nas ruas. Os partidários da oposição e agora também os da situação estão indo para a rua fazer os seus protestos. E a possibilidade de um grupo se cruzar com o outro existe. E se isso acontecer logicamente haverá choque, porque as manifestações não são pacíficas. Eles queimam pneus, jogam pedras, bloqueiam ruas, estradas e isso tem se intensificado.

Agência Brasil - Então, o adiamento do segundo turno não diminui a tensão e a violência?
Pinheiro - Hoje [quinta-feira (28)], está tendo uma manifestação muito forte pró-governo, de 1,5 mil pessoas, e outras estão ocorrendo no país, menores. Mas essa é a rotina no Haiti nos últimos dias. Sábado (23), domingo (24) e segunda-feira (25) foram os dias mais preocupantes. Depois diminuiu um pouco a intensidade. Mas, agora surgiu uma situação que até antes das eleições não tínhamos. Agora, as manifestações são de ambos os lados, oposição e governo.

Agência Brasil - Quando vocês esperam que as manifestações violentas vão diminuir, uma vez que não há data para nova eleição?
Pinheiro - Acreditamos que em 7 de fevereiro, quando outro presidente assume. E aí será um mandato provisório, porque não houve eleição. Até lá esperamos muitos embates, tanto na rua quanto no campo político. Eles ainda não têm a definição de quem será esse presidente provisório. A única certeza é que o atual vai deixar o poder no dia 7. Dependendo do nome que surgir, as tensões podem diminuir, dependendo também da data do segundo turno, que também não se sabe. A ideia é que as eleições ocorram em meados de março ou em abril. Estamos na expectativa e ansiosos para que se chegue a um acordo político. Se não houver um consenso, esse clima de instabilidade pode se agravar.

Agência Brasil - Quais foram as situações mais tensas que você viu?
Pinheiro - O clima mais tenso para nós foi no sábado, dia 23, após o adiamento, quando houve uma manifestação muito grande que chegou a 5 mil manifestantes, o que é muito grande para o país. Esse grupo de manifestantes se aproximou do Palácio da Justiça e do centro do poder nacional. Então o batalhão foi preparado para apoiar a atuação da polícia. Felizmente não precisamos sair. Na quarta-feira (27), no Norte do país, houve um bloqueio de uma estrada, e a polícia não conseguiu controlar os manifestantes. Para liberar essa estrada eu tive que mandar uma tropa com blindados, uma tropa do Uruguai. Lá, eles liberaram as ruas. Às vezes, o manifestante não quer sair e começa a atirar pedra na tropa. E nessa hora as tropas usam armamento não letal. As manifestações políticas aqui são violentas, sempre foram. Para virar um conflito maior é muito rápido. E no Haiti tudo pode mudar a qualquer hora.

Agência Brasil - Como tem sido o trabalho da Minustah nesse contexto?
Pinheiro - O trabalho é coordenado com a polícia local. A ordem de emprego, na sequência, começa pela polícia do Haiti. Se ela sente que vai perder o controle, ela pede apoio da polícia fardada da ONU. Temos dez companhias de vários países e essas tropas são policiais. Seriam como o Bope [Batalhão de Operações Especiais] aí no Brasil. Quando eles sentem que também vão perder o controle, o Centro de Operações nos pede apoio. E nós vamos para lá, sempre sob meu comando. Assumimos a situação e vamos resolver o problema da nossa forma. A ordem é nunca, dentro do possível, provocar efeitos letais. Vamos nos blindados, que também é uma forma de intimidar quem queira reagir. Os soldados vão todos com colete, escudo, alguns com cassetete, proteção nos olhos, nas pernas e nos braços. E com equipamentos para esse tipo de operação, o gás, a bala de borracha, e a arma de choque.

Agência Brasil - Existe um prazo para a permanência da Minustah no país?
Pinheiro - As Nações Unidas querem diminuir [o trabalho] no Haiti, porque é consenso que aqui já se chegou a uma evolução tal que já permitiria diminuir os efetivos. O efetivo foi diminuído em julho passado. Hoje, estamos com 2.370 soldados nossos, de oito países. A ONU definiu que esse total fica até 15 de outubro, quando encerra o mandato anual. A partir de 16 de outubro é uma incógnita. Em março, viria a equipe da Missão de Avaliação Estratégica conversar conosco, preparar um relatório e entregar para o Conselho de Segurança da ONU em agosto. Então, o Conselho de Segurança teria tempo para decidir o rumo da missão. Mas com o adiamento das eleições, não temos certeza nem se esse calendário vai ser dessa forma. Ele foi baseado no pressuposto de que em fevereiro assumiria um novo presidente eleito. Hoje tudo isso é incerto. A ONU está esperando o calendário eleitoral.

Agência Brasil - Como o senhor avalia o trabalho da Minustah durante todos esses anos?
Pinheiro - A principal contribuição foi a estabilidade que foi adquirida, mesmo a gente falando nessa crise política atual. Em 2004, o Haiti chegava ao limite de uma guerra civil. Naquela época, cinco ou seis capitais foram conquistadas por rebeldes, que queriam derrubar o governo. Hoje em dia isso não existe mais. As gangues foram desfeitas, estão menos ameaçadoras. A polícia daqui foi equipada, reestruturada, melhor instruída pela ONU. A polícia local é composta de 11 mil militares, mas o ideal é chegar a 16 mil para dizer que eles podem cuidar do país deles. E esse é um sinal de que a ONU tem que ir embora. Em 2010 o país foi destruído [pelo terremoto]. Tudo veio abaixo e recomeçou do zero. Hoje, melhorou bastante em relação a 2010. A economia do país está progredindo, o turismo está, aos poucos, se tornando uma atividade rentável. A cidade está se arrumando, as ruas estão melhores. Ainda existem problemas, um dos maiores é que eles não têm energia elétrica. A energia é de usinas térmicas, o que é muito caro. Mas esse avanço todo só foi possível porque as Nações Unidas vieram para cá. E a reação da população com relação às tropas não mudou. Ela é muito bem aceita, assim como a própria missão como um todo.

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