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Papa em Mianmar: a esperança de um povo em conflito

Cercada de grande expectativa, a chegada do pontífice ao país ocorre no momento mais tenso da crise envolvendo a perseguição à minoria muçulmana rohingya

por Bianca Fraccalvieri - Rádio Vaticano*   publicado às 10:44 de 27/11/2017, modificado às 10:45 de 27/11/2017

“Se o Papa quer ver a periferia, ele veio ao lugar certo”: essas palavras de um missionário irlandês espelham bem a realidade de Mianmar.

Papa Francisco. Foto: Mazur/Catholic Church England and Wales (23/02/2014).

Depois de quase 60 anos de regime militar, o país anseia por abertura e quer sair do anonimato. Outro sacerdote, chamado carinhosamente de “jovem Francisco” devido aos seus 81 anos, coetâneo do Papa, afirma que se esta viagem apostólica servir somente de “curiosidade” para que as pessoas procurem no mapa onde fica Mianmar, já vai ter valido a pena. Estes são os sentimentos: paz, liberdade, reconciliação.

A chegada do Papa nesta segunda-feira (27/11) causou grande expectativa nos últimos dias. Alguns fiéis chegam a dizer que é como receber a visita do próprio Cristo - que vem para conhecer de perto a realidade em que vivem.

Esses testemunhos foram colhidos no Estado de Kachin, no norte do país, que faz fronteira com a China. Nessa região, de maioria cristã, ainda se vive um conflito civil. Na capital, Myitkyina, existem 32 campos que acolhem deslocados. Quatro deles são administrados pela Igreja Católica. A situação é precária: casas de bambu, sem luz e água. Os banheiros são comunitários. O Programa Mundial de Alimentos distribui a comida, que cada família deve preparar com a lenha no chão. Não há um refeitório, assim como não há clínicas: os doentes têm que se deslocar até o hospital público. O chão é de terra batida, o que não dá vazão à água da chuva.

Os campos foram montados a partir de 2011, quando a guerra se acirrou entre o grupo rebelde local e o exército federal. Em jogo, estão a soberania do povo kachin e as riquezas naturais. A falta de perspectiva provoca a emigração, principalmente dos jovens. Quem conseguiu estudar, tenta alcançar metas como Austrália, Estados Unidos ou Europa. Quem não conseguiu, atravessa a fronteira com a China e a Tailândia, tornando-se presa fácil do tráfico humano, do trabalho escravo e da prostituição.

É por isso que os católicos apostam tanto nesta visita do Papa. Os fiéis realmente acreditam que Francisco provocará uma transformação. “Sozinhos não somos capazes de resolver nossos problemas”, disse o Padre Giovanni La Sam, sempre do Estado de Kachin. Esperança excessiva nessa viagem do Pontífice? Talvez, mas por enquanto a população não tem a quem recorrer.

Rohingyas

Um dos temas mais intrigantes da visita do Papa Francisco a Mianmar é o êxodo da minoria muçulmana que atravessa a fronteira com Bangladesh para fugir da perseguição do exército birmanês.

Desde final de agosto, um contrataque militar no Estado de Rakhine obrigou cerca de 600 mil pessoas a abandonar o país. O Papa Francisco já fez pelo menos dois apelos públicos em prol dos Rohingya, que hoje formam um dos maiores campos de refugiados do mundo, em Cox’s Bazar, Bangladesh.

Mas o que a Igreja local tem a dizer a respeito? Dias antes de dar as boas-vindas ao Pontífice, o Arcebispo de Yangun, Card. Charles Bo, foi ao Vaticano e concedeu uma entrevista à Rádio Vaticano:

“A comunidade internacional tem exagerado um pouco, porque a mídia estrangeira é muito forte, enquanto a imprensa local é muito fraca e nós não temos muita habilidade para lidar com a comunidade internacional.”

O Arcebispo – que foi nomeado Cardeal justamente pelo Papa Francisco em 2015 – prefere não usar termos como “genocídio” e “limpeza étnica”, mas afirma que os militares responderam efetivamente de um modo muito violento ao ataque dos militantes Rohingya. Card. Bo reforça que não há proporção entre o “pequeno” ataque muçulmano e a agressividade das tropas birmanesas, que usaram bombas, disparos e incendiaram vilarejos.

De fato, reforçar a democracia é um dos grandes desafios para o país. Os militares comandaram por mais de meio século e cederam o poder somente após a realização de eleições em 2015, vencidas pela Liga Nacional pela Democracia (NLD), liderada por Aung San Suu Kyi.

“The Lady” (A Senhora), como é conhecida, recebeu o Prêmio Nobel da Paz justamente pela sua luta em defesa dos direitos civis. Hoje, ela desempenha o cargo de Conselheira do Estado, com um poder restrito e constitucionalmente sem voz para falar contra o Exército.

Mas para o Cardeal Bo, de quem é amigo, sob o comando de San Suu Kyi o partido vem fazendo progressos na administração civil, mas recordou que o Exército ainda controla a defesa, a política internacional e os assuntos internos. 

Comentando as críticas que San Suu Kyi vem recebendo da comunidade internacional por sua “escassa preocupação” pelos refugiados muçulmanos, o Arcebispo de Yangun afirma que a Conselheira está tentando implementar as recomendações do relatório preparado a cargo de Kofi Annan, para o retorno dos Rohingya.

À espera do Papa

Neste contexto, a expectativa para a chegada do Pontífice é grande, mesmo os católicos representando somente 1,4% da população de 51 milhões de habitantes. O Arcebispo de Yangun afirma que, de modo geral, os birmaneses são muito respeitosos dos líderes religiosos, portanto também do Papa Francisco.

Na semana precedente à viagem do Pontífice, o Cardeal foi ao Vaticano para tentar incluir encontros “extra-oficiais” ao programa, que ele considera fundamenais para consolidar a paz. Um deles seria um encontro com todas as lideranças religiosas do país, incluindo budistas, muçulmanos, hinduístas e cristãos. O outro, um encontro privado o general mais importante. 

*Textos original publicado pela Rádio Vaticano.

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