A forte presença de policiais militares ainda não conseguiu vencer um inimigo invisível e muito presente no Complexo da Maré: a lei do silêncio. Um dia depois da ocupação do território habitado por 120 mil pessoas, realizada no último dia 30, os moradores continuavam receosos de falar com estranhos, principalmente se fossem da imprensa, e preferiam não se identificar.
O comportamento é compreensível em uma comunidade que aprendeu a viver sob o poder do tráfico de drogas, que costuma punir com rigor - inclusive com a morte - quem é acusado de passar informações aos classificados como inimigos.
Forças de segurança ocupam o Complexo de Favelas da Maré. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Na Vila do Pinheiro, uma das comunidades da Maré, na qual o Batalhão de Choque montou sua base operacional, as pessoas passavam apressadas e evitavam falar com os jornalistas na tarde de ontem (31). Quem aceitava conversar, mudava logo de assunto, se a pergunta fosse sobre a operação policial que desalojou os traficantes.
“Eu não sei não, eu moro lá para baixo, não moro aqui dentro. Eu não sei nem explicar direito”, disse uma senhora de 67 anos, que trazia os netos da escola, quando perguntada sobre a operação policial. Moradora antiga da Maré, ela contou que tem 34 netos e seis bisnetos.
Um outro morador contou que tinha uma banca de frutas próximo da favela, mas que hoje já está aposentado. Segundo ele, o largo onde atualmente está montada a base do Batalhão de Choque era cheio de traficantes, que vendiam as drogas livremente, no local. Mas basta fazer menção de tentar ligar o gravador, que o aposentado se despede e sai rapidamente.
Um funcionário público municipal, que mora há 30 anos na Maré, tentava desentupir a canalização de esgotos que passa em baixo da rua onde mora, completamente alagada. “Para ficar bom, tem que abrir a rua toda, vir com máquinas da prefeitura. Está tudo entupido”, disse ele. Perguntado se as coisas iriam melhorar com a pacificação, ele falou: “No tempo que eu vim para cá, não tinha nada disso. Não tinha esse negócio de guerra. Mas vamos aguardar. A gente não pode falar nada".
Mas, se os adultos têm receio de falar abertamente com os jornalistas, o mesmo não acontece com as crianças. Elas rodeiam os profissionais de imprensa, se interessam pelos equipamentos fotográficos e posam para fotos. Da mesma forma, conversam sem medo com os policiais militares. “Elas nos perguntam se nós somos amigos”, disse um PM, que guarnecia uma das entradas da Vila do João, onde eram revistados carros e motos, em busca de armas e drogas.
Junto à base do Batalhão de Choque, um grupo de crianças, com idades entre 7 e 12 anos, ficava espiando o movimento dos policiais através da grade. Uma delas perguntou: “Ô tio, eles vão nos dar ovos de páscoa também? Pois os outros [traficantes] davam. Tinha até ovo com brinquedo dentro”.
Complexo da Maré ganhará 19 escolas e creches
A comunidade do Complexo da Maré deverá ganhar 19 escolas e creches até 2016. Dessas, seis escolas e um Espaço de Desenvolvimento Infantil farão parte do Campus Educacional da Maré. A licitação será realizada na quarta-feira (2) e as primeiras unidades estão previstas para ser entregues a partir do segundo semestre do próximo ano.
O investimento será de R$ 325 milhões e atenderá a mais de 10 mil crianças, que estudarão em turno único de sete horas diárias. As informações foram divulgadas ontem (31), pela subsecretária municipal de Educação, Helena Bomeny. Segundo ela, tudo isso será possível com a pacificação das favelas, iniciada no último dia 30, com a ocupação por forças de segurança.
"O que os pais podem esperar agora é que os professores possam ir com mais prazer à escola, que a diretora possa abrir a escola com mais tranquilidade e que possam deixar os filhos lá, sem precisar ficar telefonando [para saber da situação]. Isso vai ter uma repercussão enorme no aprendizado dos alunos", disse Bomeny.
Texto original editado pela Cidade Nova.