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Garis encostam vassouras e assumem papel de professores

Projeto dá lições de coleta seletiva de lixo a alunos da rede pública do DF, durante passeio no Lago Paranoá

por Kelly Ikuma - Agência Brasília   publicado às 08:00 de 02/05/2014, modificado às 08:22 de 02/05/2014

Em vez de livros, empolgação; de cadernos, ouvidos e olhos atentos; e do quadro negro, a bela vista do Lago Paranoá. Todos esses ingredientes transformaram um dia de aula comum de 24 alunos do Centro de Ensino Fundamental Zilda Arns do Itapoã em um momento mais que especial. A bordo de um barco, eles aprenderam ao longo de um passeio de 1h30 sobre sustentabilidade, na manhã da última quarta-feira (30/04).

Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Bem cedinho, todos protegidos por bonés, se acomodaram na embarcação e seguiram rumo ao aprendizado na prática. Os professores, um gari e uma varredora, profissionais com experiência de sobra quando o assunto é lixo, ensinaram sobre a coleta seletiva e seus efeitos positivos para a natureza. A iniciativa, que contou com apoio do Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU), partiu da empresa Sustentare Serviços Ambientais, responsável pela limpeza pública de 17 Regiões Administrativas do DF.

"Aprendi aqui a separar todos os lixos e colocar no lugar certo. Fiquei muito assustada quando o tio falou que já se machucou muitas vezes quando ia pegar o lixo e tinha vidro e outras coisas que cortavam. Agora vou falar tudo isso para meus pais e irmãos e dizer como pode ser perigoso deixar de lado a coleta seletiva", afirmou a aluna do 6º ano Rosean da Rocha Sampaio, 11 anos.

Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Os episódios frequentes de feridas causadas pelo lixo mal acondicionado foram relatados pelo gari Aercio Barros, professor do curso pela terceira vez. "Muitos colegas da empresa foram afastados do trabalho por esse motivo. Eu mesmo já me machuquei com palitinho de churrasquinho, aqueles feitos de bambu. Muitos não sabem, mas eles devem ser embalados também", relatou durante a aula.

De acordo com o profissional, que faz o curso superior de história e sonha em ser docente em um futuro próximo, ensinar crianças é muito gratificante. "Eles aprendem muito rápido e tenho certeza que eles ensinarão não só aos seus pais como também seus amigos, vizinhos, tios, tias e conhecidos. Eles vão multiplicar as informações que passamos aqui, e, quem sabe, mudamos a cultura da sociedade nesse sentido", avaliou Barros.

O preconceito também é uma atitude que a varredora Cida Vieira Lacerda pretende combater com a dinâmica. "Eu e uma amiga estávamos usando o banheiro de uma escola da Estrutural quando uma criança entrou e nos tratou muito mal porque mexemos com lixo. Falamos com a diretora e ela deu uma bronca na menina. Todos devem saber nossa importância para a cidade, e essas aulas vão ajudar muito", disse a professora de primeira viagem.

PROJETO

Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Esta é a terceira aula de um total de dez que serão realizadas durante o projeto. Ao todo, participarão 500 alunos de escolas públicas, sendo 50 por aula, além de filhos de garis. A coordenadora do projeto, Williani Carvalho, disse que as crianças são o alvo da ação porque "elas multiplicam tudo o que aprendem, e os adultos têm vergonha disso, além de proporcionarmos um dia de diversão para eles, na maioria carentes".

Além da coleta seletiva, as crianças aprendem sobre a importância da reciclagem para a preservação, as funções do lago, da fauna, e a flora da região. Fotos históricas da construção da barragem do Paranoá, quando ainda não existia o lago, do Palácio da Alvorada ainda em obra e da Ponte Juscelino Kubitschek ilustram o conteúdo abordado. Durante as atividades, os participantes ganham lanche e foto do passeio.

LEVANTAMENTO

Na Sustentare, em média, sete garis sofrem acidentes todo mês durante a coleta, em decorrência do acondicionamento incorreto do lixo. Cortes por cacos de vidro são os acidentes mais comuns, mas há perfurações por espetos de churrasco (de madeira, bambu e metal) e por agulhas, correndo o risco de contaminá-los com doenças, como o HIV. "Cerca de 70% dos casos de atestados são por ferimentos dessa natureza", relatou a coordenadora.