Educação se aprende em casa

Abordagem que reformula a tradicional educação infantil está ganhando espaço ao enfatizar que para se criar um bom cidadão é preciso educar com firmeza, respeito e gentileza

por Natália Carioca   publicado às 00:00 de 03/10/2019, modificado às 08:55 de 04/10/2019

A maneira como uma criança é educada pelos pais, responsáveis ou professores pode afetar toda a sua vida adulta e até mesmo a vida dos que convivem com ela. Uma abordagem que oferece diversas opções de como educar as crianças e que está ganhando espaço na atualidade, inclusive no Brasil, chamada de Disciplina Positiva, é um conceito que afirma que a educação pode ser proporcionada com firmeza e gentileza e, ao mesmo tempo, sem punição, castigo ou recompensa.

A Disciplina Positiva conta com cinco critérios principais, que são:  conectar-se com a criança, encorajar o respeito mútuo, ensinar habilidades sociais e de vida, ser efetiva em longo prazo e incentivar a descobrir as capacidades. Trata-se de uma educação nem autoritária nem permissiva, mas firme e respeitosa, com dicas e ferramentas para os pais que auxiliam no desenvolvimento das crianças, com o intuito de torná-las cidadãs colaborativas, respeitosas consigo mesmas e com os outros e que contribuam para o bem da sociedade como um todo.

A filosofia foi baseada nos estudos do psicólogo austríaco Alfred Adler e do psiquiatra americano Rudolf Dreikurs; foi também estudada pela norte-americana e doutora em Psicologia Educacional Jane Nelsen. Para a doutora em Administração e professora universitária Cláudia Herrero Menegassi, de Maringá (PR), a Disciplina Positiva é uma das formas mais efetivas de educar uma criança para o respeito, a fraternidade e a paz.

“Por essa abordagem, as crianças aprendem o que vivenciam”, assegura Menegassi. 

Ainda segundo a professora, “essas serão crianças que colaboram (em vez de ‘obedecer’), que compreendem os limites e o espaço do outro (que são as bases para o respeito, virtude tão importante para um cidadão) e que também têm o direito à expressão, à palavra, ao posicionamento, o que fará com que jamais admitam quaisquer situações de desrespeito, violência, abuso ou injustiças em geral”.

Cláudia Menegassi ressalta também que essa abordagem significa buscar principalmente conexão com a criança.

“Conexão com os pais é o que a criança mais almeja, é o que lhe dá segurança, o que a faz sentir amada, olhada, percebida, considerada, e isso é o que todos queremos como seres humanos.  Essa conexão faz a criança confiar nos pais e manifestar o que ela está sentindo ou o que está vivenciando.”

Cláudia Menegassi explica como ela e seu esposo utilizam a Disciplina Positiva na criação da sua filha Pietra, de cinco anos: “Queremos criar uma cidadã com valores profundos de fraternidade, de amor às pessoas, de liberdade, de respeito, de justiça, de colaboração. Não queremos que ela ‘obedeça’ a ninguém (e isso começamos desde agora, pedindo sempre para ela colaborar conosco, e não ‘obedecer’); queremos que ela tenha consciência das coisas e saiba se posicionar perante as situações da vida, seja colaborando, seja se manifestando quando não vê sentido em algo.”

Diálogo e reflexão

A professora do Ensino Fundamental da rede particular em Piracicaba (SP), Rita de Cássia Ferreira, diz acreditar que o diálogo é a principal maneira de se educar uma pessoa. “Quando os meus filhos, Murilo, de 18 anos e Gabriella, de 11 anos, ou meus alunos erram, sempre tenho muita paciência. É fundamental ouvi-los em todas as ocasiões, independentemente de estarem certos ou errados. A conversa é sempre a melhor opção, por isso converso com eles sobre algum comportamento inadequado, para, juntos, chegarmos a alguma solução.”

Ferreira destaca que é na infância que se aprende valores importantes para que se tornem adultos educados e que respeitem as pessoas.

“Acho importante colocar regras, assim como rotinas, para que aprendam quais são suas obrigações em casa e na escola. Acredito que educação não pode ser só a parte rígida, tem que haver diversão, carinho e paciência também.”

A mesma opinião sobre as estratégias da Disciplina Positiva empregadas por Rita Ferreira tem a assistente administrativa Regiane Rodrigues Polli, também de Piracicaba. “Um dos métodos que mais utilizo é o diálogo. Ele é fundamental para resolver qualquer questão. Dialogar faz toda diferença, e mesmo pequenas, as crianças entendem e se habituam”.

Poli considera válida a opção de ensinar sem castigar e utiliza a compreensão e a firmeza para educar as duas filhas, Isadora, de seis anos, e Alice, de um ano. “Além do diálogo, proponho sempre a reflexão. Faço principalmente a Isadora pensar sobre o ocorrido e analisar se agiu corretamente. É desde a infância que a criança vai extrair todos os ensinamentos e os bons exemplos a serem seguidos. A harmonia no lar, o respeito, o amor e a firmeza na autoridade dos pais farão toda a diferença na educação e formação do caráter de cada pessoa”, afirma Poli.

Camila de Jesus Ananias é pedagoga, pós-graduada em Psicopedagogia com ênfase em Educação Inclusiva e professora alfabetizadora em escolas públicas de Brasília (DF). Para ela os valores do ser humano são aprendidos na prática e no cotidiano. Ela argumenta:

“A criança que tem como exemplo pais justos, professores exemplares, ambiente em que predominam justiça e honestidade, provavelmente se tornará um adulto disciplinado e bem-sucedido”.

Mafalda Augusta Blumel Gardé é de origem portuguesa, mas atualmente mora em Mataró, na Espanha. Administradora do próprio restaurante, ela tem três filhos: Martim, de sete anos, Ísis, de três anos, e Otto, com nove meses. Mafalda defende que buscar uma solução para os problemas é a maneira de fazer os filhos participarem mais efetivamente da própria educação. “Não acho válida a ideia de dar castigos ou de fazer a criança te respeitar por medo. Sou a favor de ajudá-los a entenderem que erraram, mas que podem aprender com os erros.” Para ela, na educação dos filhos, é possível utilizar a regra de ouro (Faça ao outro o que gostaria que fosse feito a você), além de ensinar a respeitar o próximo em suas especificidades e dificuldades.

“O que a Disciplina Positiva propõe, em suma, é que a cultura de paz comece na vida em família. É essa harmonia, alinhada à educação firme, proativa e respeitosa dos pais, que poderá formar pessoas que colaborem para uma sociedade mais justa e fraterna”, conclui Cláudia Menegassi.

 

Natália Carioca Scaff

*Matéria originalmente publicada na Revista Cidade Nova, em agosto de 2019