Incapacidades e esperanças?

20 de junho é o Dia Mundial dos Refugiados e, por isso, propomos a você uma leitura reflexiva sobre essa crise humanitária. Vem com a gente se informar para fazer o bem.

por Klaus Brüschke   publicado às 00:00 de 18/06/2020, modificado às 17:32 de 18/06/2020

Dois fatos noticiados chamam a atenção para a crise humanitária da migração humana: um pai e sua filhinha perderam suas vidas na travessia do Rio Grande, fronteira entre o México e os EUA; e uma jovem capitã alemã foi presa por ter atracado seu navio em um porto não autorizado a fim de que os 40 refugiados que recolhera no Mediterrâneo não tivessem a mesma sorte de outros quase 40 mil que, neste milênio, ali morreram.

Nas palavras do papa Francisco, os migrantes “são os últimos enganados e abandonados para morrer no deserto; são os últimos torturados, abusados e violados em campos de detenção; são os últimos que desafiam as ondas de um mar impiedoso; são os últimos deixados nos campos de um acolhimento demasiado longo para ser chamado de temporário… São pessoas, não se trata apenas de questões sociais ou migratórias!… Hoje são o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada”.

Não seriam tais fatos emblemáticos a prova da incapacidade de os governos dos países envolvidos lidarem adequadamente com a realidade da mobilidade humana?

Estimam-se em 260 milhões os migrantes (os que saíram de sua terra em busca de sobrevivência ou melhores condições de vida) no mundo e em 70 milhões os refugiados (os que deixaram ou pediram para deixar seu país por causa de conflitos, guerras ou perseguições). Trata-se de um fenômeno complexo, desde sempre presente na história, resultante de muitas causas. Hoje, adquire dimensões críticas pelo elevado contingente forçado a abandonar sua terra, de um lado, por situações de violência ou de miséria, de outro, pelas políticas restritivas de entrada nos países com mais oportunidades.

É comprovado que não bastam soluções simples. A ajuda dos países ricos no desenvolvimento de regiões pobres pode ser benéfica por um lado, mas pode acarretar novos problemas (a começar pelo modelo de desenvolvimento proposto, passando pelo desvio dos recursos e pela corrupção). Exige-se um real compromisso planetário com a paz (o que implica a renúncia às pretensões geopolíticas das superpotências e ao lucro da indústria bélica) e com a “ecologia integral”, ou seja, a integração do desenvolvimento humano, desenvolvimento econômico e preservação do ambiente (os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU são uma agenda disso, mas boa parte dos recursos financeiros disponíveis para esse fim estão sendo drenados para o capital especulativo). Esse compromisso não é tarefa para ser cumprida isoladamente em cada país; os especialistas concordam que o caminho passa pelas instâncias multilaterais entre os Estados.

Contudo, o crescente nacionalismo aumenta os obstáculos às soluções. Ignoram-se as relações de interdependência dos países ou, melhor dizendo, ignora-se o cuidado com a “casa comum” – que é todo o planeta e a toda a comunidade humana que nele vive. O papel do Estado é, sim, zelar pelo próprio território e pela população que nele vive, mas em vista de toda a Terra e de todos os povos cujas sortes são hoje radicalmente interligadas.

Não seriam talvez sinais de esperança as novas gerações que se comprometem com essas causas globais? Como a ONG a que pertence a capitã alemã ou o Fridays for future, que às sextas-feiras se mobiliza em defesa do futuro ameaçado pela mudança climática?

O caminho certamente ainda está por ser trilhado. Afinal, a respeito dos migrantes, lembra Francisco no citado discurso, “no espírito das bem-aventuranças, somos chamados a consolar suas aflições e oferecer-lhes misericórdia; para saciar sua fome e sede de justiça; fazê-los sentir a paternidade atenciosa de Deus; para mostrar-lhes o caminho para o Reino dos Céus”.

 

Klaus Brüschke

O autor é editor, articulista, tradutor e ex-publisher da Editora Cidade Nova

 

*Artigo publicado originalmente na Revista Cidade Nova em agosto de 2019.