Não troque o doce pela embalagem

Um dos elementos fundamentais da vida cristã é a relação com a Palavra de Deus. Juntamente com a vivência, certa formação ajuda a chegar à luz que as Sagradas Escrituras emanam

por Luis Marques   publicado às 00:00 de 04/09/2020, modificado às 11:04 de 04/09/2020

Um dos elementos fundamentais da vida cristã é a relação com a Palavra de Deus. Juntamente com a vivência, certa formação ajuda a chegar à luz que as Sagradas Escrituras emanam

A LITURGIA CRISTÃ celebra, em setembro, o mês da Bíblia. Esta breve reflexão se volta, desse modo, à importância que a Palavra de Deus tem como um dos fundamentos para a fé daqueles que seguem Cristo. De fato, não é possível seguir Jesus sem amá-Lo, o que, por sua vez, só é possível se O conhecemos. Nesse sentido, as Sagradas Escrituras são fonte privilegiada para se aproximar e entender a pessoa de Jesus. 

Mas é preciso levar em conta que, em grande parte das vezes, essas palavras não assumirão o significado profundo que possuem até que, de alguma forma, se realizem na vida de quem se declara cristão. Afinal, uma das mensagens mais claras de Jesus é que o seu seguidor é aquele que dá testemunho da Sua Palavra com a própria vida, desde os pequenos gestos. Penso que seja por isso que entre os instrumentos da espiritualidade coletiva que nasceram com o carisma de Chiara Lubich e o Movimento dos Focolares esteja a comunhão das experiências da Palavra de Vida (veja comentário na página 34), nascidas sob inspiração do Evangelho. 

Ler a Bíblia, como o sabemos, significa entrar em contato direto com Deus, experiência para a qual o fiel deve estar preparado, ensina o próprio Jesus ao contar a Parábola do Semeador (capítulo 13 do Evangelho de Mateus): a semente só dá fruto em terreno preparado. A mais importante condição para isso já o dissemos: a prática da Palavra nos abre à compreensão cada vez mais profunda do que ela nos quer dizer. 

Porém, cabe também levar em conta a necessidade de que uma leitura mais bem cuidada da Bíblia implica alguma formação catequética ou mesmo teológica. Isso significa, por exemplo, entender a narrativa bíblica para além da literalidade de suas palavras, tendo em vista que não se trata de um conjunto de livros históricos ou biográficos, ainda que possua elementos dessa natureza, embora, nesses casos, por vezes imprecisos ou até mesmo contraditórios. A Bíblia é, pois, um livro religioso, com claros objetivos religiosos, apresentados dentro de um contexto histórico e cultural bastante diferente do nosso. 

Não é à toa que especialistas de diferentes áreas (teologia, história, antropologia, linguística e outros) há muito tempo se debruçam sobre esses textos sagrados de modo a ajudar o povo de Deus a melhor compreendê-los e fugir às interpretações superficiais, empobrecidas ou mesmo equivocadas. É fato, no entanto, que nem sempre a linguagem desses especialistas é acessível às pessoas em geral. 

De qualquer modo, penso que é muito saudável que os fiéis em geral não se limitem à interpretação pessoal e aos conhecimentos aprendidos na catequese, mas sigam buscando aprender e aprofundar sua formação religiosa. Iniciativas como cursos de teologia, encontros bíblicos e outras atividades dessa natureza, organizadas pelas comunidades, paróquias e outras instituições, são muito importantes nesse sentido.

Afinal, esse suporte que a razão e o conhecimento humano oferecem à compreensão da Palavra de Deus se revela com frequência um auxílio importante para se chegar à luz que emana das Sagradas Escrituras. Sem essa luz, ao lermos esses textos, corremos o risco de, como afirma o biblista Mauro Strabeli no livro Bíblia: perguntas que o povo faz, “jogar o doce fora e ficar com a embalagem”.

 

Luís Henrique Marques