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Maria Voce visita Ilha de Santa Terezinha e ressalta riqueza humana do local

Convocados por dom Hélder Câmara em 1968, membros do Movimento dos Focolares têm contribuído para a transformação da difícil realidade da comunidade

por Daniel Fassa   publicado às 15:00 de 26/03/2014, modificado às 10:31 de 01/04/2014

“Encontrei a pobreza fora dos muros e toda a riqueza aqui dentro, porque conheci pessoas dispostas a amar, a escutar, a fazer sua a dor do outro”, afirmou Maria Voce, presidente do Movimento dos Focolares, durante visita feita no fim da tarde de ontem (25) a uma favela de Recife que, com a ajuda de membros do Movimento fundado por Chiara Lubich, deixou de ser conhecida como Ilha do Inferno para se tornar Ilha de Santa Terezinha.

A Ilha de Santa Terezinha e o muro que separa a comunidade do Shopping construído ao lado. Foto: Caris Mendes

O muro ao qual Voce se referiu foi construído alguns anos atrás, para blindar da pobreza os frequentadores de um grande shopping construído do outro lado da rua. Graças à mobilização dos moradores, o muro foi parcialmente reconstruído com tijolos vazados (restituindo a ventilação das casas mais próximas) e áreas de acesso às vielas da comunidade, além de ganhar um multicolorido revestimento de grafitagem. Ainda assim, permanece ali, como um símbolo da segregação social.

Segregação que, na década de 1960, se fazia sentir pelos muros invisíveis do descaso e do abandono da administração pública. Não havia postos de saúde, escolas, trabalho. As crianças viviam pelas ruas, com os pés muitas vezes ensopados de lama malcheirosa de um terreno sem saneamento básico e frequentemente alagado por conta das chuvas ou da maré alta.

Maria Voce e Giancarlo Faletti, respectivamente presidente e co-presidente do Movimento dos Focolares. Foto: Caris Mendes

Em 1968, um grupo de pessoas do Movimento dos Focolares, adere ao convite do Arcebispo de Recife, Dom Helder Câmara, de tentar transformar a realidade local. À ilha chegam estudantes e professores, advogados e médicos, operários e donas de casa que querem participar da vida dos moradores para buscarem juntos a solução. Cuidam dos idosos, dos doentes e das crianças, falam pouco e escutam muito, com paciência. Surgem as primeiras atividades: cursos de corte e costura, culinária, economia doméstica. Há quem queira aprender a ler e a escrever. Gradualmente, amadurece na comunidade o sentimento de pertencimento à sociedade civil e constitui-se a associação dos moradores, com vistas a tratar diretamente os problemas da comunidade com as autoridades civis e públicas.

São inúmeros os avanços conquistados desde então, graças ao empenho conjunto dos moradores com os membros dos Focolares: a elevação do nível do terreno para evitar os alagamentos; a eletrificação da área; a construção e o funcionamento da escola, do posto médico, do centro de recuperação de crianças desnutridas (hoje, transformado em pré-escola); o redesenho e pavimentação da maioria das ruas; a reconstrução das casas em alvenaria; a criação de uma cooperativa fabril de pré-moldados; a construção do centro comunitário, do centro juvenil, de uma organização de apoio a crianças e adolescentes; o pioneirismo na criação de equipes de agentes de saúde comunitárias no Recife.

Maria Voce é recebida pelo líder comunitário Johnson. Foto: Caris Mendes

Ao percorrer as ruas da comunidade e visitar alguns desses locais, Voce, acompanhada do co-presidente dos Focolares, Giancarlo Faletti, encontrou, muitas pessoas que, cheias de brilho no olhar, tem trabalhado pela contínua transformação da Ilha de Santa Terezinha. Entre elas, Johnson, que os guiou durante todo o percurso. Nascido e criado na comunidade, ele é fruto da experiência iniciada na década de 1960 e se tornou uma de suas principais lideranças. Foi presidente da associação dos moradores durante cinco mandatos consecutivos e representou os bairros do entorno nas assembleias do Orçamento Participativo da cidade de Recife.

A última parada do tour foi a Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente (AACA), fundada em 1994 pelos Focolares. Com o financiamento de famílias do Movimento do Brasil e de todo o mundo, além de projetos governamentais, a ONG desenvolve atividades educativas no contra-turno escolar, tirando centenas de crianças e adolescentes das ruas. Ali, Voce e Faletti foram recebidos com empolgação pelos meninos e meninas atendidos que, junto aos funcionários e voluntários da organização, cantaram Gonzaguinha, com alegria contagiante: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Ah, meu Deus, eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita”. Voce estava certa: a riqueza estava mesmo toda ali. 

Com informações das reportagens "Do outro lado do muro", de Andrea Moreira, "Não mais ilha do inferno" e "A Ilha de Santa Terezinha".

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