A dor de uma derrota

Foto: Reprodução

Na desastrosa coletiva de imprensa da comissão técnica da seleção brasileira um dia após a humilhante derrota para Alemanha, o coordenador técnico do escrete canarinho, Carlos Alberto Parreira, protagonizou uma cena inusitada. Leu um email de uma tal “Dona Lúcia”, uma destas torcedoras bissextas que aparecem em época de Copa. Pouco entendem de futebol, mas ficam contaminadas pelo clima de euforia em torno do Brasil. Ela, por sinal, se mostrou uma fervorosa admiradora de Felipão. Não é para menos: nunca um técnico foi tão assediado pelas marcas e agências de publicidades como Scolari. Era até natural esperar de uma parcela da população brasileira esta identificação extremada com o comandante gaúcho.

Ao optar por dar voz a “Dona Lúcia”, Parreira deixou de dar explicações e palavras de consolo (se é que isso é possível) à maior vítima de uma eliminação em Copa: meninos na faixa dos 11 aos 14 anos. Não há público mais apaixonado pelo futebol do que esta molecada. Nesta fase, o racionalismo ainda não corrompeu a utopia de um mundo sonhado pelos pés, pelos dribles, pelos golaços. Cada partida, seja como torcedor ou peladeiro, é vivida com a intensidade de quem imagina, um dia, se tornar um jogador profissional.

Meninos são alfabetizados pelo caderno ou portais de esporte. Pela primeira vez na vida a leitura parece ganhar um papel crucial, ao servir de veículo de comunicação do time do coração. Só assim saberemos dos preparativos, histórico e análise da equipe antes de cada compromisso. Até a matemática, sempre tão indesejada na vida estudantil, ganha um sabor especial com as tabelas do campeonato e nas estatísticas para o rebaixamento. A rotina é toda moldada pelos jogos da competição: quarta e quinta; sábado e domingo. O humor varia em compasso com o desempenho do clube em campo. As derrotas sempre magoam, é verdade. A ponto de confrontarmos com aquele machismo de que “homem não chora”. As vitórias dão quase sempre alegria, mas costumam gerar desconfiança também. Aprendemos a sofrer, mesmo quando tudo parece caminhar bem.

A primeira Copa do Mundo de um moleque é sempre a Copa das nossas vidas. É quando absorvemos em toda sua totalidade aquela epifania futebolística. Não importa se a geração não é boa, se a gestão é incompetente, se há retrocesso, se os interesses são só comerciais, se o técnico é obsoleto. Abraçamos o conjunto amarelinho com a ideia de que o Brasil será vitorioso. Ainda não somos adultos suficientes para encarar o fracasso com teses pragmáticas, números estrambólicos, lousas táticas e pessimismo incontornável. Apenas amamos o futebol. E, assim como o primeiro não da garota mais bonita da escola, entramos numa depressão voraz. Porque terminou desta maneira?

Assim que aquela hecatombe se confirmou, com o Brasil tomando um vareio histórico, pensei nos moleques boleiros. Eles, sim, estariam escondendo as lágrimas, segurando o nó na garganta e descobrindo os primeiros calos de uma vida que será tomada por muitas outras derrotas. São por estes que Parreira deveria ter se dirigido naquela entrevista catastrófica. São para eles que Parreira e Felipão devem desculpas. São estes moleques que, logo após o fim da partida, vão chutar a bola na parede enquanto traçam estratégias para, um dia, servir a seleção com honra e, quiçá, perfeição.

A maior dor, porém, é saber que nunca mais veremos uma Copa com aqueles olhos de meninos. Mais do que um time de 11 ou elenco de 23, há toda uma geração que irá carregar a cicatriz deste 7 a 1 pelo resto da vida.

 

Tags:

derrota, brasil, Futebol, torcida, Copa do Mundo, seleção



Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.