Avalanche cinematográfica

Eis que começa uma nova fase do blog que assino aqui na Cidade Nova. Antes uma extensão da seção Teen da revista, agora ele passa a ser a quinzenal e com maior apreço pelos temas de arte & cultura. Seja bem-vindo e bom 2015!

Oscar. Foto: Divulgação

O melhor do Oscar está neste impulso que ele gera pela busca do consumo cinematográfico. Ora, porque outras premiações não conseguem produzir o mesmo efeito? Basicamente porque não são expressões da indústria que domina o mercado. Realizar uma cerimônia que possa reverenciar as estrelas e produtos deste sistema é a ação de marketing perfeita para se perpetuar no imaginário popular. Todos estamos fisgados pelo star system: público, cinéfilos, imprensa e, claro, todos envolvidos diretamente com o audiovisual. Há algum mal nisso? Não. Basta compreender que premiações não representam, necessariamente, os melhores. Há filmes bons e ruins. O grau de justiça nas escolhas é questionável. Como toda premiação (ou eleição) que se preze.

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A safra é boa, ao que tudo indica. A seleção da Academia, anunciada na última quinta-feira (15), mostra uma predisposição em valorizar o quesito “originalidade”. Um filme como Boyhood, por exemplo, é inovador na proposta e eficiente na composição. Richard Linklater, da tríade Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013), registrou ao longo de 12 anos o crescimento de um garoto. Da infância até a chegada à vida adulta. É, no mínimo, autêntico viabilizar algo do tipo. Recebeu menos indicações do que Birdman e Grande Hotel Budapeste, com seis, mas pode (e deveria; torço para isso) sair como protagonista da cerimônia, que será no dia 22 de fevereiro, em Los Angeles.

O Brasil está na disputa. E a chance de vitória é bem palpável. Sal da Terra concorre entre os documentários em longa metragem e tem como trunfo um personagem magnífico: o fotógrafo Sebastião Salgado. Engana-se quem acha que vai se deparar com um filme sobre a fotografia. "É sobre as intermediações que meu pai estabelece com a natureza e com as pessoas", me disse Juliano Salgado, filho de Tião, um dos diretores do longa. O outro é o experiente e premiado Win Wenders. Juliano ainda me contou, em conversa por telefone, que Sal da Terra só foi para frente após um ato de desapego. Quando ele e Win Wenders decidiram que deveriam compartilhar a montagem. Que deveriam fazer a quatro mãos e não separados. O filme entra em cartaz só em março no Brasil. Quem sabe com um Oscar nas mãos.

Entre os intérpretes, Michael Keaton precisa ganhar. Concorre pelo papel em Birdman. Faz um ator decadente em busca de redenção. Seria seu alter-ego? Keaton, é bom recordar, fez o melhor Batman da história. Daqueles dois filmes dirigidos por Tim Burton (o segundo, com o Pinguim e a Mulher Gato, é extraordinário). Ele sempre acerta na variação engraçado e melancólico, cômico e trágico. É favorito, mas tem na cola os bons Benedict Cumbertatch (por O Jogo da Imitação) e Bradley Cooper (por Sniper Americano).

Na ala feminina, dizem que é a vez ou de Juliane Moore (por Para Sempre Alice) ou de Reese Whiterspoon (por Livre). Hollywood gosta da "desglamourização" como condição para a conquista. A azarona francesa Marion Cotillard, do ótimo Dois dias, uma Noite, dos irmãos Dardenne, está ainda melhor. Merecia levar mais um Oscar (levou o primeiro na cinebiografia de Edith Piaf). Nota de rodapé: Meryl Streep foi indicada mais uma vez. Até quando?

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Os vizinhos hermanos também estão lá, entre os indicados a melhor filme em língua estrangeira. Não são favoritos, mas contam com um exemplar belíssimo. Relatos Selvagens é o símbolo do cinema argentino que preza pela criatividade, que se pauta pela invenção. Sem as teses e culpas sociais do cinema brasileiro. Ele tem dois concorrentes fortes, fortíssimos, favoritos. O russo Leviatã parece levar ligeira vantagem. É um filme sobre a Rússia de Vladimir Putin. Mas não aborda a questão política diretamente. É sutil em sua abordagem. O polonês Ida está à altura. A questão nazista costuma sensibilizar a Academia.

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Claro que há uma série de injustiçados. Selma, sobre Martin Luther King, recebeu apenas duas indicações. Diziam que seria mais. Ainda assim, está entre os oito que concorrem a melhor filme. Interestelar foi ignorado nas categorias "artísticas", apesar de ser reconhecido entre as "técnicas". Christopher Nolan, ao que tudo indica, errou a mão no didatismo e na verborragia científica, apesar de ter feito um ótimo filme.

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Entre as canções, duas são verdadeiras joias. Glen Campbell, ícone da música country, concorre por I’m Not Gonna Miss You. Deteriorado pelo Alzheimer, este foi o último suspiro criativo do cantor. Fez uma balada devastadora para a falecida esposa que está na trilha-sonora do documentário I’ll Be Me. Um filme que justamente retrata sua batalha contra a doença. Se a Academia não premiá-lo, será um tremendo desrespeito. Lost Stars é outra belíssima canção deste Oscar. Feita na medida pelo mago do pop Gregg Alexander (o cara do New Radicals) para brilhar na trilha de Mesmo Se Nada Der Certo. Adam Levine, do Maroon 5, é o intérprete do tema.

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A cerimônia de entrega do Oscar será no dia 22 de fevereiro, fim de semana pós-carnaval, no Dolby Theatre, em Los Angeles. A festa é televisionada para mais de 200 países. O apresentador desta edição será Neil Patrick Harris, ator conhecido por How I Met Your Mother. Faça suas apostas!

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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.