A lacuna de Eduardo

O escopo desse blog é tratar temas de política internacional, mas o momento atual da política brasileira, sobretudo após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos, me impele excepcionalmente a olhar para dentro de nossas fronteiras.

O significado da morte de Campos transcende a perda pessoal da família, que não deve ser subestimada, e também vai além das perspectivas eleitorais para as próximas semanas. No acidente, o país perdeu um líder que começava a despontar como principal voz no cenário nacional de uma esquerda moderada, capaz de dialogar com setores empresariais e da indústria, mas que, ao mesmo tempo, defendia uma política de investimentos sociais importantes.

Obviamente a de Campos era uma estrada tortuosa. Sua opção o tornava vitrine para ataques da esquerda e da direita. Mas o candidato começava a demonstrar seu potencial conciliador, fundamental para a carreira que escolheu e que poderia, no futuro, permitir que transitasse entre as diversas forças e interesses presentes numa democracia como a nossa. Se ele, de fato, conseguiria desenvolver esse potencial, nunca saberemos.

O PSB de Campos já apontava nessa direção há algum tempo. O candidato demonstrava que reconhecia o papel fundamental do mercado e de suas relações no arranjo institucional de uma sociedade moderna. Não tinha pretensões de “superá-lo”, pois não partia da simplificação dialética que torna necessariamente contraditórios os interesses de trabalhadores e empresários.

A honestidade de posições menos apaixonadas esconde uma coragem muda, que quase nunca movimenta multidões, pois não se reveste de heroísmo adolescente. Esta era a terceira via de Eduardo, que pode ter morrido no acidente desta semana. 

Vejo Campos como a liderança que mais se assemelha a uma concepção rawlsiana da política. O ex-governador reconhecia que alguma desigualdade sempre existiria na sociedade e que eliminá-la não seria possível – e talvez nem desejável –, contanto que essa desigualdade produzisse, de alguma forma, ganhos para quem estivesse embaixo na pirâmide social. Daí a coerência em incentivar o setor privado e, ao mesmo tempo, investir em melhorias das condições sociais, como tentou fazer em Pernambuco durante seu mandato.

Campos não era a salvação da lavoura. Em sua trajetória, apresentava suas contradições, assim como o pensamento rawlsiano não se furta às próprias fragilidades teóricas. No entanto, no espectro da diversidade democrática que marca a cena nacional, o pessebista tinha algo a dizer, representava, sem dúvidas, uma terceira via. Tentava ser uma alternativa reformista que buscava agregar crescimento econômico no âmbito de uma sociedade de mercado, com ações deliberadas do Estado para coibir possíveis e contingentes exclusões sociais e injustiças que o mesmo mercado provoca, dependendo das práticas adotadas por seus protagonistas.

Que a morte não o martirize, porque isso não faria bem à política nacional. Sua capacidade de guiar o país à frente do Executivo no médio prazo, talvez já em 2018, ainda precisaria ser demonstrada. Certo é que Campos se consolidava como representante de uma corrente relevante do pensamento político. A lacuna que ele começava a preencher volta a ficar vazia.

Radicalismos comovem, encantam, dividem interlocutores entre amigos e inimigos, oferecem a vida de seus militantes – e muitas vezes a dos oponentes. Criam mitos. A honestidade de posições menos apaixonadas esconde uma coragem muda, que quase nunca movimenta multidões, pois não se reveste de heroísmo adolescente. Esta era a terceira via de Eduardo, que pode ter morrido no acidente desta semana. 

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Sobre

As relações entre governos, organizações e demais atores no espaço físico, virtual e conceitual que extrapola as fronteiras de um Estado lança novos desafios para a atuação da fraternidade na política. A ausência de um agente com legitimidade coercitiva expõe o drama, mas também as possibilidades, da relação fraterna entre sujeitos em condição de paridade, responsabilidade mútua e liberdade para cooperar ou não uns com os outros. Neste blog, abordaremos os desdobramentos desse fenômeno.

Autores

Thiago Borges

Repórter da revista Cidade Nova há quase dois anos, é jornalista formado pela faculdade Cásper Líbero. Foi redator da agência internacional de notícias Ansa por três anos e concluiu recentemente uma pós-graduação em Filosofia Política no Instituto Universitário Sophia, em Florença – Itália.