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"O tempo do muro de Berlim passou, mas Putin quer reconstruí-lo", afirma membro do governo ucraniano

Em entrevista exclusiva ao diretor da edição italiana de Cidade Nova, um integrante do Conselho de Ministros de Kiev, Ostap Semerak, fala sobre a crise e os problemas enfrentados por seu país

por Michele Zanzucchi - Città Nuova   publicado às 12:49 de 28/04/2014

Ostap Semerak é membro do Conselho de Ministros de Kiev e deve fazer funcionar a máquina estatal ucraniana, chefiada por Arseniy Yatseniuk, depois que a fuga do presidente Yanukovych deixou o país em estado de coma. Jovem e determinado, Semerak não esconde os enormes problemas enfrentados pela Ucrânia.

Encontrei-o em Roma, poucas horas depois do encontro histórico da delegação ucraniana com o papa Francisco, no Vaticano. “Não consigo expressar a emoção sentida diante de Bergoglio”, comenta. “Falou-se de paz, da unidade territorial do país, de reconciliação. Ele deu uma caneta ao nosso primeiro-ministro, fazendo auspícios de que com ela fosse assinado um acordo de paz. Eu o vi extremamente concentrado na situação política e social do nosso país, muito interessado nas condições de vida da nossa população”.

Quais são as últimas notícias do front?

Petrozavodsk, 28/04/2014- Vladimir Putin reuniu-se com membros do Conselho de Legisladores da Assembléia Federal para discutir a integração da Crimeia à Rússia. Foto: Russian Presidential Press and Information Office

Elas mudam a cada minuto, estamos monitorando a situação momento por momento. Hoje, sete vezes a Força Aérea da Rússia violou o espaço aéreo da Ucrânia e foram capturados observadores da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A opção de contraterrorismo do governo, que tem como alvo quatro principais cidades do leste do país, não é fácil, porque os prédios ocupados pelos pró-Rússia estão todos em áreas urbanas, enquanto as forças especiais russas estão apoiando os terroristas. A solução deve ser sobretudo política e, por isso, pedimos à União Europeia e aos EUA para pressionarem Putin conjuntamente.

 O senhor participou ativamente da revolta de Majdan. O senhor imaginou que a Ucrânia se encontraria na atual situação, com as enormes tensões sociais, políticas e militares no leste do país?

Eu jamais teria imaginado tal situação. Pensei que depois da revolução de Majdan haveria pessoas novas no governo, que deveriam enfrentar sobretudo a situação de emergência financeira e econômica do país, iniciando uma luta contra a corrupção, o verdadeiro câncer legada pelo governo anterior. Em vez disso, temos sido obrigados a investir os escassos recursos que temos em assuntos militares. Todo esse dinheiro é retirado da boca dos pobres, mas não podemos agir diferentemente.

Após a grave crise de Majdan e a dissolução das unidades especiais da polícia, o governo reassumiu a forças da ordem?

É necessário distinguir entre exército e polícia. O primeiro não participou diretamente da repressão da revolta de Majdan. Mas o ex-ministro da Defesa, que tinha laços com membros da antiga KGB, fez de tudo para esvaziar o nosso exército, enfraquecendo-o. Agora, o governo se vê obrigado gastar dinheiro para torná-lo operacional e eficaz. A polícia, por sua vez, depois da abolição das forças especiais que causaram o massacre de Majdan, foi “purificada” e agora funciona novamente, leal ao governo. Ao mesmo tempo, as “forças de autodefesa”, nascidos durante a rebelião, estão sendo educadas e treinadas pelos policiais. Não é uma tarefa fácil unir essas forças populares à polícia.

Um dos primeiros atos do parlamento após a crise de Majdan foi retirar do russo o estatuto de língua oficial. O senhor acha que isso foi uma medida justa?

Eu não acho que a decisão tenha sido justa e oportuna, mesmo que o idioma russo não possa ser colocado no mesmo nível do ucraniano, a nossa língua nacional. Mas é inegável que o russo é uma língua especial, muito usado na Ucrânia. O próprio primeiro-ministro tem como língua-mãe o ucraniano, enquanto sua esposa, o russo. Eles se falam e se compreendem, assim como tantas outras famílias na Ucrânia.

O que esperar das eleições de 25 de maio ?

Será melhor do que poderíamos imaginar. Os partidos já propuseram seus candidatos, inclusive o partido das regiões do ex-presidente Yanukovych, que no entanto encontra-se dividido em dois. Creio que serão as eleições mais livres já realizadas na Ucrânia. Além do mais, nenhum membro do governo é candidato, de modo que os recursos administrativos não serão usados para fins eleitorais, o que é uma novidade para nós. Haverá uma grande participação do povo. O problema é sempre a Rússia: Putin não quer na Ucrânia um presidente eleito em liberdade, pela soberania popular. A eleição de um novo presidente eliminará o problema da legitimidade das autoridades ucranianas.

A Europa parece um pouco ausente sobre o tabuleiro de xadrez ucraniano, em comparação com os Estados Unidos...

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou que os EUA vão impor novas sanções contra a Rússia nesta segunda-feira (28/04). Foto: Otan

Essa sua impressão não corresponde à realidade. Existem relações muito fortes, absolutamente contínuas, com Bruxelas. Hoje encontramos o primeiro-ministro [italiano, Matteo] Renzi, nos próximos dias teremos outras reuniões de alto nível, enquanto o G7 trabalha em conjunto. A União Europeia tem ajudado muito. Claro, os EUA aparecem mais, porque eles têm apenas um presidente, enquanto que na UE há 28... Infelizmente , o maior problema é que não fazem parte da Otan e, portanto, não podemos esperar uma ajuda militar; mas a ajuda econômica e política é enorme, inclusive com o Fundo Monetário Internacional, que está nos ajudando na revisão da dívida interna e externa. Sem o apoio da UE e dos EUA, já não estaríamos mais funcionando.

Como combater a corrupção desenfreada que marcou o regime Yanukovych?

Nosso governo está muito empenhado em uma crise que não é um exagero definir como dramática. Tomando o exemplo de muitas leis europeias contra a corrupção, solicitamos ao Parlamento que promulgasse uma série de leis nesse sentido. Ao mesmo tempo, estamos tentando encontrar e desbloquear no exterior fundos ilegalmente retirados do país pelo regime de Yanukovich. A próxima reunião em Londres poderá nos ajudar nesse sentido.

A Ucrânia pode ser uma ponte entre a Europa e a Rússia? Ou pode ser, pelo contrário, um muro?

Não pode ser uma ponte, porque a Ucrânia faz parte da Europa, um continente rico em diversidade, mas unido por ideais comuns. O tempo do muro de Berlim passou, mas Putin quer exumá-lo e reconstruí-lo, tijolo por tijolo. Devemos fazer todo o possível para detê-lo. O que está acontecendo no leste da Ucrânia não é apenas uma questão interna para o nosso país, é um conflito que diz respeito a toda a Europa e até mais do que isso. Sem a Europa não seria possível reduzir o excessivo poder russo no Oriente.

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