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Manoel de Oliveira: um modo divino de contar a vida

Conheça a história do cineasta português que faleceu na última quinta-feira (2), aos 106 anos.

por Idalina da Cruz e António Nogueira   publicado às 08:56 de 03/04/2015, modificado às 08:56 de 03/04/2015

Autor de 32 longas-metragens, Manoel Cândido Pinto de Oliveira foi o mais famoso e antigo cineasta português, e o mais velho realizador do mundo em atividade. Nasceu na cidade do Porto, no dia 11 de dezembro de 1908. Filho de Cândida Ferreira Pinto e de Francisco José de Oliveira, industrial e primeiro fabricante de lâmpadas e de produtos hidroelétricos em Portugal. Estudou nos colégios Universal, do Porto, e Jesuíta, de La Guardia, na Galiza. Dedicou-se a diversas atividades desportivas, tendo sido campeão nacional de salto com vara e de provas automobi- lísticas em Portugal, Espanha e Brasil.

O cineasta português Manoel de Oliveira, que faleceu na última quinta-feira (2), aos 106 anos.

Nessa época eram habituais as tertúlias no Café Diana, na Póvoa de Varzim, com José Régio, Luís Amaro de Oliveira e Agustina Bessa-Luís. Casou com Maria Isabel Brandão Carvalhais, no Porto, a 4 de dezembro de 1940. Do casamento nasceram quatro filhos. O contato de Oliveira com o cinema deu-se por influência do seu pai que o levou a ver filmes de Charles Chaplin e de Max Linder. Aos vinte anos começou os estudos na Escola de Atores de Cinema, de Lino Rupo.

Em 1928 faz a sua estreia como figurante no filme “Fátima Milagrosa” e em 1933 participou como ator no filme de Cotinelli Telmo, “A Canção de Lisboa”. Ainda nos anos trinta, o pai ofereceu-lhe uma máquina de filmar da marca Kimano. Com a ajuda do seu amigo fotógrafo António Mendes, começou a trabalhar no seu primeiro filme: “Douro, Faina Fluvial”.

Em 1942 criou a sua primeira longa-metragem: “Aniki Bóbó”. Esta obra confirmou Manoel de Oliveira como cineasta de exceção. O papel do Cineclube do Porto foi determinante na gênese de um público, que passou a olhar Oliveira como um dos mais importantes cineastas nacionais. Realizou também alguns documentários como “Hulha Branca”, “Miramar, Praia das Rosas”, “Portugal já faz automóveis” e “Famalicão”.

Em 1955, o cineasta viajou para a Alemanha onde frequentou um estágio intensivo nos labo- ratórios da AGFA, com o objetivo de estudar a cor no cinema. O seu primeiro trabalho a cores foi o documentário “O Pintor e a Cidade”, cuja narrativa se desenrola tendo como cenário as telas do pintor António Cruz.

Os primeiros filmes de Oliveira introduzem-nos no espaço geográfico e cultural do Porto. Sendo um homem de entre Douro e Minho como Camilo, Agustina, Raul Brandão, José Régio, Teixeira de Pascoaes e Amadeo, o cineasta desvenda, com o seu olhar, o mistério destes lugares feitos de gente que não se compadece com meios-tons e meias vidas. Nestas obras predomina um estilo cinematográfico puro, com diálogos ou monólogos curtos.

Em 1971, foi criado o Centro Português de Cinema, com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Manoel de Oliveira estreou o filme “O Passado e o Presente”, inaugurando a chamada “Fase Gulbenkian” do cinema português. Este filme dá início à “Tetralogia dos Amores Frustrados”, com as obras “Virgem Mãe”, “Amor de Perdição” e “Francisca”.

A obra cinematográfica de Manoel de Oliveira prosseguiu sem quebras nem sobressaltos até à atualidade. Como refere o cineasta, "o cinema é um processo audiovisual de fixação... um teatro que se põe diante da câmara". O teatro filmado tornou-se a assinatura do “Mestre”. A partir de 1987 o ritmo de produção de Manoel de Oliveira é absolutamente incomum, passando a produzir um filme por ano. Como disse Inês Pedrosa, "a pressa de Oliveira é oposta à velocidade contemporânea, que nos dispersa e nos impede de pensar... É a pressa de quem quer descobrir um bocado mais do segredo da vida, antes de sair dela".

No ano de 2010, num encontro memorável com o Papa Bento XVI, no Centro Cultural de Belém, o cineasta afirmou: "Se as artes nada mais aspiram a ser do que um reflexo das coisas e ações vivas, dos procedimentos e sentimentos humanos do universo real ou em fantasias imaginadas, pode aceitar-se o que um realizador mexicano, Artur Ripstein, classificou de um modo magnífico e surpreendente: o cinema como sendo o espelho da vida. E é-o de fato".

Assumindo que, como disse Fellini, "o cinema é um modo divino de contar a vida", Manoel de Oliveira pode ser considerado como um dos grandes cineastas religiosos da história do cinema, já que para ele "o sentimento religioso não é uma fantasia, é uma realidade". A menção honrosa atribuída a Manoel de Oliveira, em 1964, no Festival de Locarno, marcou o início da sua consagração internacional, à qual se sucederam muitos outros prêmios e reconhecimentos.

No dia 2 de setembro de 2014 apresentou, na Bienal de Veneza, o curta-metragem “O Velho do Restelo”, exibida em Portugal em 11 de dezembro, dia em que Oliveira completou 106 anos de idade. No filme, as personagens Dom Quixote, Luís Vaz de Camões, Teixeira de Pascoaes e Camilo Castelo Branco juntam-se num jardim do século XXI. É um encontro com a História. Ela exige ação e contemplação. Tolentino diz que "a contemplação é uma prática exigen- te. Requer escolhas de que nos desabituamos: a concentração, o despojamento, o silêncio, a solidão criativa".

Manoel de Oliveira foi um ser inacreditável. "Estes infernos e estes paraísos da imensidade para sempre enternecida, este infinito, este insondável, pode tudo isto estar num espírito, e chama-se então gênio a esse espírito... e olhar para estas almas é como olhar para o Oceano" (Victor Hugo). 

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