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Proteção de vulneráveis é responsabilidade de todos

No mês dedicado ao combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, Cidade Nova e Psicom se unem às organizações da sociedade brasileira em prol da conscientização sobre esse grave problema contra o qual é exigido o engajamento de cada cidadão. Confira o artigo divulgado na edição de maio da Revista Cidade Nova 2023.

por Luís Henrique Marques, Com o Grupo Psicologia e Comunhão (Psicom)   publicado às 00:00 de 11/05/2023, modificado às 11:37 de 11/05/2023

HÁ EXATOS 50 anos, no dia 18 de maio de 1973, Araceli Crespo, de apenas 8 anos idade, foi vítima de um crime bárbaro que chocou todo o país e ficou conhecido como “Caso Araceli”. Apesar de sua natureza hedionda, esse crime permanece impune até hoje. Por sua gravidade, o caso inspirou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei Federal 9.970/00. O objetivo da data é “mobilizar, sensibilizar, informar e convocar toda a sociedade a participar da defesa dos direitos de crianças e adolescentes”, afirma o texto-base deste ano, o 23º de mobilização, uma iniciativa conjunta do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da Rede ECPAT Brasil (a sigla é do original em inglês e significa “Fim da Prostituição e do Tráfico de Crianças para Fins Sexuais”), do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, de suas organizações afiliadas e parceiras nacionais (veja quadro).

Segundo os organizadores da mobilização, é preciso construir uma agenda de ações com o propósito de recolocar essa pauta como “prioridade para promoção, garantia e defesa dos direitos de crianças e adolescentes em rede de proteção, funcionando de forma intersetorial e articulada”. Quem está à frente dessa causa reconhece que o tema é delicado e precisa ser tratado com responsabilidade, razão pela qual há uma natural resistência das pessoas, de grupos e instituições em abordá-lo. 

Uma das razões que justificam, no entanto, a importância de levar a público o assunto está nos dados estatísticos recolhidos por diferentes órgãos públicos e da sociedade civil a respeito da violência praticada nos últimos anos contra vulneráveis. A despeito do fato de que os dados coletados por diferentes fontes revelem discrepância entre si, as informações mostram uma situação de gravidade. Entre os dados mais recentes sobre a violência e o abuso contra crianças e adolescentes no Brasil encontram-se os recolhidos pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH): em 2022, foram 18.869 as denúncias, boa parte das quais feitas pelo Disque Direitos Humanos ou Disque 1002. 

Já os Anuários Brasileiros de Segurança Pública (que trazem dados referentes a boletins de ocorrência de delegacias de polícia no Brasil), na sua edição de 2022, informam 35.735 denúncias de estupro contra meninas de até 13 anos de idade. Esse quadro, cujas informações estatísticas são apenas a ponta do iceberg de uma realidade bem mais ampla e complexa, considera todos os tipos de maus-tratos a menores de 18 anos de idade: físicos, psicológicos, violência sexual, desatenção, negligência e exploração comercial ou de outro tipo, que causam dano à saúde, ao desenvolvimento ou à dignidade de crianças e adolescentes. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 10% dos casos são notificados no país.

Consequências

No estudo “Violência sexual contra crianças e adolescentes: uma análise de fontes públicas brasileiras”, os pesquisadores Renata Cristina Alves da Rocha, Mário Antônio Sanches e Caroline Filla Rosaneli explicam que a dificuldade de acesso a dados mais precisos sobre esse tema é reflexo de uma série de situações do contexto cultural marcado pela violência, além de problemas de ordem burocrática, como o simples preenchimento de fichas de notificação. Um dos motivos mais frequentes para a não notificação desses casos diz respeito ao fato de que grande parte deles acontece no âmbito intrafamiliar e são praticados por quem deveria cuidar das crianças e adolescentes (pais, padrastos, avôs, irmãos mais velhos).

“Como o lar é um espaço privado, a criança e o que acontece dentro de casa estão envolvidos em uma atmosfera de segredos familiar e social”, explica o estudo. “Nessas situações, é comum que o ocorrido seja mantido em sigilo. Em parte, porque as relações de afinidade e consanguinidade entre crianças ou adolescentes violentados e os agressores geram a complacência de outros membros da família. Além disso, o agressor normalmente tem poderes moral, econômico e disciplinador sobre a criança violentada.” 

Há, afinal, um “pacto de silêncio” que envolve as vítimas e, em muitos casos, as mães delas. As primeiras se calam por medo, por se sentirem ameaçadas ou por não conseguirem distinguir se o comportamento do qual é vítima é normal ou não, ou ainda por terem medo de sua fala ser desacreditada. Quanto às mães, o receio vem em relação ao fim do relacionamento com o companheiro, de se sentirem abandonas ou de terem que enfrentar a família do agressor e/ou a sua própria. 

Segundo a psicóloga Cíntia Miranda Vieira, que possui experiência no tratamento de vítimas da exploração sexual, as consequências desses atos de violência podem ser várias e costumam se manifestar de forma diferente em cada vítima. Mas ela reconhece que é possível identificar alguns traços bastante comuns em quem sofre esse tipo de violência ou abuso. “Em nível psicológico, a pessoa tem sua autoestima destruída, não confia em si mesma, não reconhece o próprio valor”, diz a psicóloga. 

Além disso, ela afirma que é muito comum a manifestação de doenças autoimunes nesses casos. Quanto mais jovem for a vítima, mais fortes serão as consequências, explica Vieira.

“Quando se trata de uma criança e essa violência se repete muitas vezes, é como se quebrasse alguma coisa dentro da pessoa.” A especialista argumenta que essa fratura interior pode se manifestar na construção da identidade da pessoa, trazendo consequências graves para a sua vida e interferindo nas suas relações. Soma-se a esse quadro a possibilidade de as vítimas, quando jovens ou adultas, repetirem o comportamento abusivo, uma vez que essa pessoa “aprendeu” a se comportar assim. 

Da mesma maneira que é difícil generalizar as consequências para quem sofre de violência ou de alguma forma de abuso, é complicado identificar com precisão quais sinais revelariam esse tipo de prática criminosa. De qualquer modo, Cíntia Vieira aconselha a observar o comportamento de quem poderia ser vítima. Esse pode mudar de forma drástica. É o que acontece, por exemplo, quando o vulnerável passa a demonstrar tristeza contínua ou agir de forma retraída. Aliado a isso, a pessoa costuma manifestar um constante sentimento de culpa. 

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Projeto Faça Bonito, Dia Nacional de Combate ao Abu