Um momento de encontro com Deus e o semelhante

Independentemente da crença, a meditação é uma prática que orienta a pessoa na direção do equilíbrio da saúde física e mental, além de promover a relação direta com o divino, com o outro e com a natureza

por Natália Carioca   publicado às 00:00 de 12/09/2019, modificado às 15:45 de 12/09/2019

 

CHIARA LUBICH, fundadora do Movimento dos Focolares, doou à humanidade um carisma cuja espiritualidade é marcadamente coletiva e que, por essa razão, busca favorecer a união com Deus e a unidade com os irmãos. Reiteradas vezes, o papa Francisco reforçou essa mesma convicção de que não vamos a Deus sozinhos, mas em função do nosso encontro com o outro. É nessa perspectiva que certas práticas espirituais, como a meditação, assumem um valor especial. Em seu livro Desenhos de Luz, publicado pela Editora Cidade Nova (1996), Chiara apresenta textos para meditação em que reflete sobre esse encontro com Deus e com o irmão. Diz Chiara:

“Eu te encontro, ao me recolher no templo de minha vida, ou quando, tão logo as circunstâncias me deixam só, me convidas, me atrais, suave, mas decididamente, para a tua divina presença. Então, só tu reinas dentro e fora de mim e a casa que me deste para o uso, no peregrinar da vida, sinto-a, proclamo-a morada do meu Deus. Esta tua presença é amor, mas um amor que o mundo não conhece... A alma se encontra submersa como que em um delicioso néctar e o coração parece ter-se tornado o cálice que o contém. A alma é toda um cântico silencioso, de ti somente conhecido: uma melodia que te alcança, porque emana de ti e de ti se compõe.”

Para Chiara Lubich, assim como para outros mestres da espiritualidade cristã, a meditação, feita, por vezes, de uma forma bastante simples, a partir da leitura de um trecho da Bíblia ou de um livro de espiritualidade, se configura como uma forma de oração pela qual se estabelece um momento de diálogo com Deus, cuja relação deve ser também reflexo das relações humanas.

Religioso da congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (claretianos), padre José Alem procura fazer diariamente o exercício da meditação desde a sua juventude. Ele confirma a perspectiva de Chiara Lubich para a meditação. “Sou sacerdote há 30 anos e, desde que iniciei meu discernimento vocacional, procuro aprimorar essa experiência muito significativa para o crescimento espiritual.”

Para o religioso, no entanto, é importante destacar que a prática da meditação tem várias expressões e vários métodos. “Ela tem características específicas e também inéditas, segundo as várias tradições religiosas, mas todas com o objetivo de ajudar as pessoas a aprofundar o encontro consigo mesmo, com Deus, com o próximo e com a natureza.”

A prática da meditação pode contribuir de muitos modos para o bem-estar da pessoa, argumenta padre Alem. “A meditação trabalha a dimensão mental, com ideias e pensamentos, o emocional, com os sentimentos e emoções, e o comportamental, com atitudes. Se bem conduzida, favorece a saúde e o equilíbrio mental e emocional, a descoberta e o aprofundamento dos valores existenciais; aprofunda a experiência da fé; amplia a visão da vida em suas múltiplas dimensões.”

Desde o seu início, a Igreja sempre cultivou e incentivou esse método. “Na própria Palavra de Deus, há muitos exemplos disso”, afirma Alem. Um desses exemplos é Maria que, conforme está escrito no Novo Testamento, guardava todas as palavras de Jesus em seu coração e meditava sobre elas (Lc 2, 41-51). “Jesus incentivava a todos a meditarem. E os apóstolos, sobretudo Pedro, Paulo, nas suas cartas, se referem à necessidade de acolher e testemunhar a palavra revelada.”

Para o sacerdote claretiano, ao longo dos séculos, há muitos exemplos de santos e santas que viviam e criavam, inclusive, métodos de meditação. “Uma das mais significativas expressões disso no cristianismo é a Lectio divina (leitura orante da Bíblia), cuja prática marcou profundamente a vida dos mosteiros e conventos e hoje se expressa de forma muito eficaz na vida de tantas comunidades cristãs, religiosas, sacerdotais, leigas. “É o método, se for bem entendido e vivido, mais eficaz para uma autêntica prática cristã para os nossos tempos.”

Tradições orientais

A descendente de japoneses Vera Lúcia Navarro é espiritualista simpatizante da filosofia Seicho-No-Ie e utiliza a prática constante da meditação. “Sinto muitos benefícios, como paz, confiança, alegria, certeza para trilhar caminhos e conexão com Deus. Realizo esse método em silêncio ou por meio de músicas de relaxamento. A meditação nos aproxima do criador e, em conjunto com a oração diária e constante, podemos amar mais nosso próximo. Acredito que este seja um meio de exercitarmos a nossa fé. Este é um caminho essencial para o bem-estar físico e psicológico e principalmente para a paz universal”.

O reverendo da Risho Kossei-Kai do Brasil (organização budista), Kazuyoshi Nakahara, utiliza outros meios de conexão com o sagrado por meio da oração do Sutra de Lótus. “Nós recitamos as escrituras do Sutra em voz alta. Por isso, não podemos dizer que a recitação do sutra seja uma meditação. No entanto, tem o mesmo efeito, que é acalmar a mente e concentrar nas coisas. Acredito ser uma boa opção para olharmos profundamente o nosso interior.”

Ao promover uma experiência de reflexão interior, Nakahara afirma que a meditação pode ajudar a remover o egoísmo e os apegos que há nos corações humanos. Além da oração, essa prática também ajuda a eliminar o medo, a desconfiança, que costumam promover o distanciamento da pessoa em relação ao sagrado e ao semelhante. “Eu sinto que é uma prática eficaz de refletir nosso interior, fazer manifestar nosso lado bom e remover nosso lado ruim”, argumenta o reverendo budista.

 

Natália Carioca Scaff

 

Esta reportagem foi uma sugestão da nossa leitora e entrevistada Ângela Cristina Ceschin. Envie sua sugestão de pauta à Cidade Nova pelos perfis da revista no Instagram ou Facebook.

Matéria originalmente publicada na Revista Cidade nova de Setembro de 2019. 

Tags:

Espiritualidade, meditação