Filosofia / Educação
  

Professores: um manifesto

SER PROFESSOR pode ser visto, muitas vezes, como um esporte de combate: “combate” contra a ignorância, no mote da Revolução Francesa: redimir a humanidade de sua ignorância – educação para todos.

por Samuel de Souza Neto   publicado às 00:00 de 01/10/2021, modificado às 15:56 de 25/11/2021

SER PROFESSOR pode ser visto, muitas vezes, como um esporte de combate: “combate” contra a ignorância, no mote da Revolução Francesa: redimir a humanidade de sua ignorância – educação para todos... Sobre “esporte”, quando a profissão é vista na dimensão de que o professor tem de driblar sem a bola a socialização do período escolar que cada um carrega como souvenir, acreditando, grosso modo, que ensinar é fácil, uma brincadeira, enfim, não é um trabalho...

Muitos dos que passaram pela escola tendem a ter uma visão, às vezes, afetiva dos professores que os marcaram; outros, de ressentimento do que ficou mal resolvido ou de senso comum, como foi dito:  ensinar é algo fácil em termos de representação do tipo da refração da luz na água de uma piscina, na qual o fundo da piscina parece que está a três  palmos de distância, enquanto, na realidade, a distância é muito maior, podendo morrer afogado se você não souber nadar. Em outras palavras, não podemos matar a educação, o ensino e a aprendizagem com um raciocínio tão simplório. A partir dessa metáfora, podem-se construir, ao estilo de alguns filmes hollywoodianos não sérios, crenças de que qualquer um pode , deslocando a docência de um sentido mais forte, no qual o trabalho docente exige uma obrigação moral, um compromisso social e um rol de competências profissionais, bem como apoio da sociedade, reconhecimento dos pais e um mínimo de entendimento de que ser professor não é um serviço missionário ou de babá. Caso contrário, nos deparamos com a metáfora da indiferença:

“Primeiro levaram os comunistas, eu calei-me, porque não era comunista. Quando levaram os sociais-democratas, eu calei-me, porque não era social-democrata. Quando levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque não era judeu. Quando me levaram, já não havia quem protestasse.” (Martin Niemöller - 1892-1984 / Teólogo protestante alemão).

Assim, em tempos de crise (pandemia), parece que essa indiferença aumenta e queremos que alguém continue a cuidar de nossos filhos por nós, ignorando que, para isso, há necessidade de se assegurarem as condições de trabalho, saúde, equilíbrio etc. ao outro. Mas quase todos estamos à beira de um ataque de “nervos” com as crianças em casa. 

Tendo esse mosaico como painel e entendendo que o momento é de ação, recorro ao escritor Émile Zola (1840-1902), emprestando o tema de seu famoso libelo “J’accuse” (1898), sobre o  caso Alfred Dreyfus (1859-1935) - incriminado por um conjunto de documentos falsos do qual não era portador, tal como, muitas vezes, se faz com os professores com relação a problemas pelos quais não são os responsáveis diretos, mas inseridos em um conjunto de acontecimentos  com os quais o Estado e os pais têm relação direta. Parafraseando Zola, 

...eu acuso...

As pessoas da universidade que, como eu, ficam mais na reflexão do que na ação, esquecendo-se dos primeiros compromissos assumidos com a profissão. 

Os colegas de profissão da rede escolar que, esquecendo-se da ética e da profissionalidade, limitam-se a ocupar o espaço da escola apenas com a sua presença física. 

Os colegas de outras áreas escolares que, preocupados com a sua segurança, ignoram o compromisso político de ser professor. 

Os diretores de escola, supervisores e/ou diretores (ex-dirigentes) de ensino que, esquecendo-se da época de professores, passam a agir apenas em função das mudanças ordenadas, sem questionar ou refletir sobre as consequências desse ato. 

Os pais presentes nos conselhos de escola que participam das mudanças escolares sem questionar nada, dando o seu voto utilitário.

Os pais que mandam os seus filhos para a escola transferindo toda e qualquer responsabilidade de formação apenas à instituição, ignorando seus compromissos de educadores.

Os alunos que vão à escola e não exigem nada de seus professores. 

As escolas particulares, que poderiam ter maior autonomia, mas rendem-se às modificações apontadas apenas por questões financeiras ou de atendimento ao consumidor. 

Os diferentes segmentos sociais que permanecem indiferentes às mudanças que estão ocorrendo na sociedade. 

Porém, há necessidade de se reconhecer as forças vivas que habitam em todos os espaços da sociedade, permanecendo como a porta aberta da luta que continua no anonimato desses atores sociais. Portanto,

 ...eu exalto...

Os meus colegas da universidade que, embora em situação mais privilegiada, não esqueceram os seus compromissos com o magistério na educação infantil, no ensino fundamental e ensino médio, fazendo manifestos e sendo solidários a esse momento de transição.

Os colegas de profissão da rede escolar que, embora com baixos salários  - alguns até passando por dificuldades financeiras -, não se esqueceram de sua obrigação moral no exercício de sua profissionalidade docente, ocupando o seu espaço de forma séria e contribuindo para o avanço e a permanência da Educação nas escolas.

Os colegas de outras áreas escolares que, embora em situação semelhante ou melhor, não esqueceram a solidariedade e a cooperação nos momentos difíceis, marca registrada daqueles que têm um compromisso político com a profissão de professor.

Os diretores de escola, supervisores e/ou diretores (ex-dirigentes) de ensino que não se esqueceram da época em que foram professores e posicionam-se de forma crítica às mudanças propostas.

Os pais presentes nos conselhos de escola que participam de forma ativa, questionando as mudanças escolares e sua utilidade na formação dos alunos.

Os pais que acompanham os seus filhos na escola, questionando as mudanças e as perdas que essas podem acarretar na formação deles.

Os alunos que vão à escola e contribuem com as aulas, participando delas e dando sugestões para que elas se tornem cada vez mais atraentes e prazerosas.

As escolas particulares que, tendo condições de maior autonomia, não se renderam às modificações apontadas, mas ampliaram o seu espaço na área do ensino diferenciado.

Os diferentes segmentos sociais que não permaneceram indiferentes às mudanças que estão ocorrendo na sociedade e manifestaram a sua solidariedade.

Se há manifestações de apoio, se há sobriedade por parte da categoria professor, se há reconhecimento do papel da Educação na escola, a luta continua, porque embora uma andorinha sozinha não faça o verão, ela o anuncia, e um grupo de pessoas com ideais e objetivos claros podem fazer uma revolução educacional. Sendo assim, 

...eu alerto...

General, teu tanque é um carro poderoso. Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens. Mas tem um defeito: precisa de um motorista.

General, teu bombardeiro é poderoso. Ele voa mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante. Mas tem um defeito: precisa de um engenheiro.

General, o homem é muito útil. Ele pode voar e pode matar. Mas tem um defeito: pode pensar. [Bertolt Brecht (1898-1956)]

Se o homem pode pensar, ele precisa de um(a) professor(a). Nesse sentido, Drew Gilpin Faust (Reitora da Universidade de Harvard – 2007-2018) dirá que o ensino está no coração daquilo que se faz na Universidade de Harvard. Barack Obama (presidente dos Estados Unidos – 2009-2016; Prêmio Nobel da Paz – 2009; ex-aluno da Universidade de Harvard), ao ser eleito presidente, fez uma homenagem a sua professora: “Credito minha educação à senhora Mabel Hefty, assim como eu faria com qualquer instituição de alto nível (...). A senhora Hefty me ensinou que eu tinha algo para falar - não apesar das minhas diferenças, mas por causa delas. Ela fez cada aluno da classe se sentir especial”. Já na Finlândia, os pais dirão que a escola faz parte de suas vidas. Por fim, em Sobral (CE), os professores ganharam destaque no ensino a partir de uma nova gestão educacional e escolar com a qual os alunos alcançaram a média 7,8 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esses são indicativos que nos fazem refletir: se o ser humano pode pensar, qual é o lugar que os professores ocupam em nosso coração?

 

Samuel de Souza Neto

 

1) O autor é professor livre-docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro. Possui doutorado em Educação pela USP e pós-doutorado em Educação pela CRIFPE (Canadá). É pesquisador associado internacional do CRIFPE e pesquisador CNPq, NEPEF, FPCT, DOFPPEN e CRIFPE-Brasil