Nós e os hermanos argentinos: mais afinidades que discordâncias

Nesta época do ano o Brasil vive uma verdadeira invasão de hermanos argentinos, principalmente nas praias da região Sul. Calor, águas calmas e mornas para os padrões dos nossos vizinhos... É um sonho paradisíaco.

No fim das contas, com o objetivo de buscar um lugar ao sol, acaba acontecendo um grande intercâmbio cultural e social. Nós rivalizamos muito com os hermanos na hora que a bola rola num campo de futebol, mas no fundo, no fundo, desavenças superficiais à parte, até que nos acertamos com eles.

Plaza de Mayo, Buenos Aires. Foto: Fernanda Pompermayer

Estive recentemente em Buenos Aires e a situação não me pareceu muito diferente por lá. A língua mais ouvida pelas ruas, filas, cafés, museus, lojas, era o português. Nunca vi tanto cambista na rua querendo trocar reais!

Para aproveitar bem essa viagem, que finalmente era de turismo, me debrucei – e deliciei – um tempo antes, com o livro de Ariel Palacios, Os argentinos, da Editora Contexto. Aliás fica a dica para quem for viajar para outras latitudes e também quiser conhecer previamente o povo e sua cultura, os outros títulos da mesma editora que podem ajudar (Os italianos, Os indianos, Os espanhóis, e por aí vai).

Ariel Palacios é brasileiro, filho de argentinos, e há anos vive em Buenos Aires como correspondente de vários veículos de comunicação brasileiros. Ninguém melhor para entender bem os dois lados da fronteira.

Livraria El Ateneo, Buenos Aires. Foto: Fernanda Pompermayer

No livro ele mergulha de cabeça na identidade desse povo tão próximo a nós e culturalmente tão diferente sob vários aspectos. Começa com a visão que os argentinos têm de si e aquela que os estrangeiros fazem deles. Entra na história do país, partindo da colonização, passando pelos vários estágios ditatoriais e democráticos, até o atual governo Cristina Kirchner.

É surpreendente a quantidade de golpes e contragolpes militares que o país sofreu. E apesar de ter vivido um período ditatorial menos longo que o do Brasil, foi de uma barbárie inusitada, fazendo 30 mil vítimas, segundo dados da Anistia Internacional e de outras organizações de defesa dos direitos humanos.

As crises econômicas que se sucederam também não ficam longe desse espanto. O país viveu praticamente uma grande crise a cada sete anos – e a atual não desmente a cronologia. Isso tudo desperta, principalmente, um grande sentimento de solidariedade no leitor, uma proximidade que supera muito as rixas quase folclóricas entre nossos dois povos.

Ruas do El Caminito, região do bairro portenho La Boca, às margens do rio Riachuelo. Foto: Fernanda Pompermayer

Nas palavras de Palácios: “Vistos geralmente através dos filtros de uma série de clichês e estereótipos, os argentinos e a Argentina costumam pegar os brasileiros de surpresa (e também o resto do planeta), evidenciando que eles ainda são – apesar da proximidade e da maior integração propiciada pelo Mercosul desde 1991 – um grande mistério”.

Prosseguindo a leitura, dá para entender como se formou esse povo. Palacios diverte o leitor com uma frase que, segundo ele, circula há décadas nos países da América Latina: “Os mexicanos descendem dos astecas, os peruanos dos incas e os argentinos desceram dos navios!”. A ironia tem um grande fundo de verdade, pois, além de uma população autóctone, indígena, o país se formou praticamente absorvendo ondas migratórias, principalmente europeias, e com grande influência judaica.

Além da questão étnica, passa-se a conhecer melhor aspectos da cultura portenha e do restante do país, que não é feita de só de tango (também!), de churrasco – assado – (também!), de futebol (também!) e de chimarrão (idem!).

Busto de J.L. Borges no centenário e renomado Café Tortoni, no centro de Buenos Aires. Foto: Fernanda Pompermayer

É conhecido no mundo todo o alto nível cultural do povo argentino. Basta olhar para a cidade de Buenos Aires para se encantar, do ponto de vista arquitetônico e estético, com os deslumbrantes palácios, residências de famílias abastadas de outros tempos, prédios públicos, muitos teatros... todos devidamente conservados pelo seu valor histórico.

A Argentina deu ao mundo célebres escritores e intelectuais, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Ernesto Sábato... para citar só alguns. Somem-se a eles cinco Prêmios Nobel: dois da Paz – Carlos Saavedra Lamas (1936) e Adolfo Pérez Esquivel (1980); dois de Medicina – Bernardo Houssay (10947) e César Milstein (1984); e um em Química, para Federico Leloir (1970).

Descubra ainda o que os argentinos curtem, o que comem, quais são suas crenças, seus hábitos, seus ídolos, suas frustrações, seus sonhos.

Enfim, o livro vale por uma viagem completa à Argentina. E se for seguido de uma viagem real, então o proveito é ainda maior. Um casamento perfeito!

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Sobre

No início da Era Cristã, toda a informação que uma pessoa conseguia assimilar durante a vida era inferior ao que está à disposição dos leitores numa edição de domingo de um jornal como O Estado de S.Paulo. É patente a evolução exorbitante do acesso à informação e da multiplicação do conhecimento. A literatura, antes restrita a uma exígua elite de pessoas letradas, continua sendo o canal por excelência para o conhecimento e passou por uma enorme democratização: hoje está ao alcance de todos. Vamos explorar juntos esse admirável mundo feito de “tinta sobre papel” ou de “pixels sobre tela”.

Autores

Fernanda Pompermayer

Formada em jornalismo pela Famecos (PUC-RS) em 1985, há seis anos trabalha na revista Cidade Nova. Foi repórter, editora e atualmente é editora-chefe da revista. Cursou ciências humanas, socais e teológicas no Instituto Internacional Misticy Corporis em Florença (Itália) e no cantão de Friburgo (Suíça).