O brasileiro como ele é

O estrangeiro é uma figura singular na história do Ocidente. Essa entidade misteriosa é capaz de suscitar convulsões sociais que deságuam em atitudes como medo, intolerância, desprezo e, por fim, exclusão. Aristóteles, responsável pela primeira sistematização do pensamento clássico e talvez a maior mente que já tenha habitado esse planeta, tinha consciência desse “perigo” e não deu lugar a eles em seus tratados sobre os arranjos institucionais de uma sociedade.

Quem já pôde passar ao menos uma temporada mais extensa na Europa certamente se deparou com essa realidade. O imigrante, seja lá de onde for, terá sempre um lugar marginal na sociedade. Sobre ele, pesará uma certa desconfiança, seja na informalidade das relações sociais, seja na formalidade do excesso de burocracia que lhe é imposta. Lampedusa, a cidade italiana que recebe milhares de imigrantes clandestinos vindos da África todos os anos, é o retrato mais dramático desse tipo de exclusão.

Em contrapartida, temos o Brasil da...

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A Marola e o Tsunami

O ex-presidente Lula costumava se gabar de que a crise econômica mundial que eclodiu em 2008, causando um tsunami nas finanças globais, não passou de uma marola em águas brasileiras. Pois bem, os ventos começam a mudar, a marola toma corpo e o tsunami parece perder força. O ano que vem pode ser de inversão, para desgosto do governo – seja lá qual for.

Nesta semana o Banco Mundial divulgou um relatório sobre as perspectivas da economia global e ratificou o que muitos analistas vêm prevendo: a economia global está se recuperando e os próximos anos deverão ser de crescimento do PIB nos países desenvolvidos. Já em nações ditas “em desenvolvimento”, como Brasil e Turquia, o buraco é mais embaixo.

A expectativa do BM é de que o crescimento por aqui fique em 1,5% e não em 2,4% como previra anteriormente. O órgão também crê em recuperação brasileira nos próximos anos, mas esta deverá ficar abaixo da média mundial.

Os principais motivos para esse desempenho discreto estão relacionados às...

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A escolha de Obama

Quanto vale a vida de um cidadão do seu país? E se ele for um oficial do Exército? E se, além de soldado, for um desertor? E quanto vale a prisão de cinco suspeitos de terrorismo? É possível medir com alguma objetividade o valor de tudo isso para a tomada de decisões em situações extremas? As inúmeras possibilidades de resposta a indagações como essas deram origem a verdadeiras escolas de pensamento ético e político nos últimos séculos, e levaram, com certa frequência, o debate para longe da realidade concreta. Filósofos respeitáveis – e contestáveis – como Benthan, Kant e Mill se debruçaram longamente sobre questões desse gênero em suas produções bibliográficas. Nenhum deles, porém, foi obrigado a se confrontar com um dilema dessas proporções em uma dimensão que ultrapassasse o plano teórico. Barack Obama foi.

O presidente dos Estados Unidos se deparou nas últimas semanas com estas perguntas e, de alguma forma, teve que encontrar respostas para elas. Encontrou, tomou a decisão e...

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Um espectro ronda a Europa

Com receio de soar repetitivo e de não conseguir acrescentar muitos elementos ao debate, arrisco nas próximas linhas uma tentativa de interpretar os resultados eleitorais no Parlamento Europeu. Para quem não está muito a par da situação, houve um avanço grande e difuso de partidos do que se chamou de extrema-direita.

Trata-se de grupos declaradamente discriminatórios que assumem posições contrárias a homossexuais, à presença de estrangeiros em seus países e são contrários à existência da União Europeia. Alguns deles abarcam correntes anti-semitas. Para se ter uma ideia, Jean-Marine Le Pen, a líder do partido xenófobo francês Frente Nacional, chegou a afirmar que "o senhor Ebola poderia resolver o problema demográfico da África". É inegável que ventos nacionalistas sopram cada vez mais forte no Velho Continente e que algumas minorias, como estrangeiros e homossexuais, têm muito a perder se o avanço político de correntes como essas aumentar. O partido de Pen, com 25% dos votos, foi o...

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Como recusar R$ 10 mil

A Suíça rejeitou no domingo passado (18) a adoção de um salário mínimo de 4 mil euros, ou R$ 10 mil. A notícia soa mal aos ouvidos brasileiros, ainda mais levando-se em conta que a recusa foi feita por meio de referendo, ou seja, foi uma decisão soberana dos próprios eleitores. O espanto é compreensível. Difícil imaginar que algo assim poderia acontecer no Brasil.

Não pretendo aqui, porém, investigar se o resultado eleitoral foi positivo ou não para os suíços. Aliás, seria uma pretensão absurda. Antes, prefiro olhar para o processo que levou um povo a declinar democraticamente uma proposta do gênero. É preciso também fazer a ressalta de que R$ 10 mil em São Paulo ou no Rio de Janeiro rendem mais do que 4 mil euros em Genebra. Essa quantia é considerada apenas suficiente para sustentar um cidadão suíço com hábitos de consumo medianos.

Voltando à questão de como se chegou ao resultado, é notável o nível de democratização que a Suíça conseguiu alcançar e o quanto seus mecanismos ajudam...

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A caneta e o fuzil

No fim de maio, a Colômbia irá às urnas escolher entre dois candidatos que poderiam estar do mesmo lado, mas que, por poucas divergências, se encontram em pólos opostos. O pivô da divisão entre a situação e a ex-situação chama-se Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Enfraquecida pelos mais de 50 anos de atividade armada no país, a principal guerrilha do continente ainda exerce forte influência no jogo político.

O eixo da divergência é a abordagem de combate ao grupo armado. A nova oposição, liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe e que tem Óscar Iván Zuluaga como candidato, é contra a política do atual governo de Juan Manuel Santos de negociar a rendição com os guerrilheiros.

A linha de Uribe tem lá sua coerência. Se partirmos do conceito de que a política é a atividade por meio da qual os homens se governam e conciliam seus interesses sem a necessidade de aniquilar os inimigos, a atividade guerrilheira é, pelo método de ação que adota, a negação da política.  Assim, não há...

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Sobre

As relações entre governos, organizações e demais atores no espaço físico, virtual e conceitual que extrapola as fronteiras de um Estado lança novos desafios para a atuação da fraternidade na política. A ausência de um agente com legitimidade coercitiva expõe o drama, mas também as possibilidades, da relação fraterna entre sujeitos em condição de paridade, responsabilidade mútua e liberdade para cooperar ou não uns com os outros. Neste blog, abordaremos os desdobramentos desse fenômeno.

Autores

Thiago Borges

Repórter da revista Cidade Nova há quase dois anos, é jornalista formado pela faculdade Cásper Líbero. Foi redator da agência internacional de notícias Ansa por três anos e concluiu recentemente uma pós-graduação em Filosofia Política no Instituto Universitário Sophia, em Florença – Itália.